Após um ano, quem ainda mata Marielle com todo esse silêncio?

            Há um ano, na noite do dia 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco do PSOL e o motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados no centro da cidade do Rio de Janeiro, quando voltavam de uma roda de conversa chamada “Mulheres Negras Movendo as Estruturas”, em meio à intervenção militar do Rio de Janeiro.

            Daquela data até então as investigações quase nada avançaram, onde nem de longe se aproximam do ideal, permanecendo sem perspectiva de desfecho e deixando de apurar os verdadeiros mandantes do crime. Ademais, não há nenhuma explicação sobre a relação da milícia e de alguns governantes e filhos de governantes com o assassinato. Apesar disto, o site www.mariellefranco.com.br não deixa sua imagem e a injustiça de sua execução se apagar: com atualizações, textos da autoria de Marielle e projetos de lei que propunha, a memória social da vereadora permanece latente, em busca de respostas.

            Mas o descaso institucional absoluto neste um ano não é por acaso. A ausência de empenho estatal para a resolução do crime não é à toa. Este silêncio que amargura e sangra tem razão de ser: as mulheres negras, como Marielle Franco, são apenas estatísticas por serem as principais vítimas de feminicídio no Brasil. Vale constar que entre os anos de 2005 e 2015 a taxa de mortalidade de mulheres negras aumentou em 22%, enquanto a de mulheres brancas reduziu em 7,4%. As balas que atingiram Marielle Franco e Anderson Gomes não se restringiram apenas aos seus corpos, mas sim a todo o conjunto dos movimentos sociais, organizações e partidos que estão comprometidos com a luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e do aparelho repressivo e corrupto de um Estado burguês.

            Mulher, periférica, negra, bissexual, para além de todas as opressões estruturais que a mesma sofria, Marielle foi morta por aquilo que ela representava em seu conjunto. Muito mais do que uma representatividade na institucionalidade burguesa, ela simbolizava um modo de fazer política vinculado à classe trabalhadora, aqueles que são diariamente massacrados pelo Estado brasileiro. Vereadora eleita com 46 mil votos, se destacava por sua trajetória como defensora dos direitos humanos e, principalmente, contra a violência policial no Rio de Janeiro. A morte de Marielle também foi um duro golpe na questão de gênero, num país cuja representação feminina nas instituições políticas é baixíssima.

            Neste um ano de reivindicações, suplícios por respostas e bandeiras hasteadas em seu nome, o saldo mostra-se mais negativo do que positivo. Temos hoje o governo conservador de Jair Bolsonaro. Aquele que sobre a execução da Marielle primeiramente se silenciou, e, em seguida, se pronunciou dizendo ter sido uma fatalidade, preferindo dizer que: “sobre ela não sei se era pessoa boa ou má”. Aquele que, há pouco, flexibilizou a posse de arma e arquiteta a facilitação do porte. Aquele que não possui nenhuma proposta para o fim da violência, mas tão somente para o incentivo da mesma. Jair Bolsonaro é a forma mais cruel de se tentar apagar o legado de Marielle Franco, é a prova de que ela precisa continuar viva em nossas lutas. Que seu ímpeto revolucionário e corajoso seja um exemplo para todos e todas que lutam pelo fim da exploração e opressão.

            Para além, a Ministra Damares Alves afirmou, recentemente, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que o governo brasileiro está comprometido em proteger “os corajosos defensores dos direitos humanos“, a democracia, os índios e as mulheres, mas em nenhum momento mencionou o assassinato de Marielle Franco. Tal “esquecimento” foi atacado pela crítica e pelas autoridades da ONU naquela ocasião presentes. A tentativa de apagar Marielle é incansável e permanece assassinando-a.

            Devemos lembrar que o saldo da intervenção militar no Rio de Janeiro teve um orçamento de mais de 1,2 bilhão de reais e até agora os resultados são pífios: foram mais de 31 chacinas com 130 mortos; o número de tiroteios aumentou de 3.477 para 4.850; os homicídios dolosos ficaram em 2.617 pessoas; 736 pessoas foram mortas pela polícia; e, 99.571 roubos registrados. Enquanto a Intervenção possuía atuação nas comunidades controladas pelos grupos envolvidos com o tráfico de drogas, ignorava as regiões dominadas pela milícia, grupo paramilitar formado por ex e atuais policiais, membros das forças armadas e seguranças particulares, que também vendem droga, traficam armas, exploram serviços, ameaçam e matam no estado do Rio de Janeiro.

            A Intervenção Militar foi usada tão somente para aquecer o mercado armamentício, estreitando as relações entre o Estado e a indústria das armas: de acordo com reportagem do G1 do Rio de Janeiro de agosto de 2018, foram gastos 18 milhões na aquisição de novos veículos blindados do montante destinado à intervenção.

            Não temos dúvida que o assassinato de Marielle Franco se insere, claramente, no cenário de perseguição política histórica que os lutadores sociais sofrem no Brasil. Aqueles que resistem ao poder do capital, que criam barreiras aos seus interesses de acumulação e domínio. Esta resistência vem de longe, desde as populações nativas e africanas escravizadas para a expansão do mercado capitalista via colonização. O capitalismo brasileiro é uma máquina de moer gente, e somente a luta organizada dos trabalhadores, sem ilusão com a conciliação de classes, pode deter o terrorismo de Estado à serviço da burguesia.

            Por isso, permaneceremos revivendo o nome e o legado de Marielle Franco, assim como jamais esqueceremos os nomes daquelas e daqueles que lutaram na Ditadura Militar e permanecem até hoje nas ruas, nas greves, nas periferias, nas centrais de base, nas escolas e universidades rompendo paradigmas, questionando suas opressões e explorações e reivindicando o fim da sociedade capitalista por uma emancipação humana socialista e comunista. Não toleraremos os discursos de ódio perpetuados pelo atual governo, denunciaremos as falsas notícias e não permitiremos que sujem Marielle Franco e a matem silêncio a silêncio. Enalteceremos as mulheres trabalhadoras negras, suas múltiplas jornadas e seu poder de transformação social.

Por um oito de março com as cores e lutas de Marielle Franco!

Exigimos respostas! Não nos calaremos!

Pelo fim da violência policial/estatal!

Marielle Franco, Presente!

Anderson Gomes, Presente!