Numa sociedade patriarcal, capitalista e profundamente machista, amamentar nossos filhos é, além de um ato de amor, resistência. Por isso, amamentar é também um ato revolucionário. Nossos corpos são tratados como meros objetos, com função de satisfazer aos desejos masculinos. O machismo propaga a ideia de que nossos seios existem para agradar sexualmente os homens e que o seio da mulher que amamenta fica “feio”, “caído” e será menos atraente para os homens.

Por sua vez, a indústria alimentícia produz leites artificiais, interessada somente em obter e aumentar seus lucros. Da mesma forma agem os médicos corporativistas e vários profissionais da saúde, aliados a essa indústria, que também possuem como interesse maior a obtenção de lucro e não a promoção da saúde de mulheres e crianças. A influência dessa poderosa aliança pode ser observada já a partir das primeiras horas de vida do recém nascido, quando é comum, em várias maternidades, a oferta de leite artificial para o bebê, sem pedir autorização ou mesmo informar a mãe. Esses profissionais difundem informações incorretas e desatualizadas, incentivam o uso de mamadeira, leite artificial e outros líquidos (o que pode causar problemas na amamentação e o desmame precoce), e muitos ainda orientam a introdução de alimentos antes dos 6 meses (período que o aleitamento materno deve ser exclusivo segundo a OMS e o Ministério da Saúde).

Propagam a ideia de que nossos corpos são defeituosos, incapazes de produzir o alimento perfeito para nossos filhos, reproduzindo e reforçando mitos como os que dizem que o leite não sustenta, que existe leite fraco, que amamentação em livre demanda e prolongada cria crianças dependentes e manhosas, que as recomendações da OMS são feitas pensando nas mulheres pobres que não têm como comprar leite artificial, que amamentar é algo feio e ultrapassado. Amamentar é algo fisiológico e completamente natural, mas em nossa sociedade acabou por se tornar algo complexo e delicado, cercado de mitos e repleto de obstáculos.

Nascemos com papéis pré-estabelecidos, inseridas num sistema onde a divisão sexual do trabalho coloca o serviço doméstico e o cuidado como obrigações das mulheres. Um trabalho nada fácil ou simples, que é efetuado sem nenhuma remuneração pelas mulheres, e esse trabalho “invisível” é realizado para outros e não para nós mesmas sob a justificativa de ser algo inerente à natureza da mulher, assim como o amor e o “dever” maternos. No mercado de trabalho somos maioria predominante nas profissões relacionadas a cuidados, educação infantil e limpeza, profissões essas que são desvalorizadas e consideradas sem prestigio social. Recebemos menos que os homens para realizar as mesmas funções, enfrentamos múltiplas jornadas de trabalho e, nesse cenário completamente desigual, estão ainda mais expostas e vulneráveis as mulheres negras e pobres.

Mesmo para as mulheres que têm condições e optam por deixar de trabalhar fora para se dedicar exclusivamente à maternidade, ter sucesso na amamentação e conseguir manter o aleitamento exclusivo até o sexto mês e depois continuar com a amamentação até os dois anos ou mais é algo muito difícil, uma vez que em muitos casos não se pode contar com o apoio da família, dos médicos, da sociedade no geral, tendo que lidar com olhares constrangedores de reprovação e todo tipo de preconceito. Agora imaginem como isso é para a imensa maioria das mulheres que não tem condições nem escolha, e o retorno ao trabalho é uma questão de necessidade e sobrevivência. Aqui nos deparamos com mais uma imensa dificuldade inserida nessa mesma logica do sistema capitalista.

Nossa legislação garante uma licença maternidade de apenas 120 dias. Muitas mulheres autônomas não podem ficar esse período sem trabalhar, tendo que retornar ao trabalho mais precocemente ainda. Este é um drama que começa a preocupar as mulheres já no fim da gestação: como vão fazer com a necessidade de retornar ao trabalho com um criança tão pequena e dependente? Com quem deixar o filho? Encontrar uma escola ou creche que o salario permita pagar? Como continuar com o aleitamento materno exclusivo entre tantas outras preocupações inerentes a saúde, bem estar e todas as responsabilidades no cuidado e educação de uma criança? Nesse contexto cheio de pressões, opressões, cobranças, falta de informação, profissionais da saúde descompromissados e muito marketing da indústria, fica quase impossível ter as condições ideais para a amamentação, quando a mulher precisa se sentir segura e estar tranquila e relaxada para manter os níveis de ocitocina e prolactina que garantem a produção de leite.

Quando volta ao trabalho, a mulher não encontra espaços adequados que a possibilite fazer ordenha e armazenamento do seu leite, muitas acabam fazendo ordenha em locais inapropriados como banheiros e tendo que desprezar o leite. Ficar sem ordenhar os seios não é uma opção, pois ficam doloridos e há a possibilidade de empedramento do leite e de infecção mamária). A CLT (Art.396 ) garante dois intervalos de 30 minutos para que a mulher amamente até os 6 meses do bebê; esse intervalo pode ser somado e reduzir uma hora da jornada de trabalho. Como são raras as empresas que oferecem creche para suas trabalhadoras, a maioria das mulheres tem que se deslocar por longos trajetos de casa até o trabalho, o que torna mais comum a redução da jornada, em nada contribuindo efetivamente para a continuidade do aleitamento materno.

O Art. 389 da CLT obriga empresas com mais de 30 mulheres no seu quadro de funcionários a oferecer local apropriado para guarda, sob vigilância e assistência dos filhos no período de amamentação. Na falta de local apropriado na empresa, o empregador pode utilizar-se de convênios com creches ou pode optar pelo sistema de reembolso-creche. Esse artigo se mostra também pouco eficiente, pois não garante o direito a toda mulher trabalhadora; assim, há empresas que procuram manter o número de funcionárias inferior a 30 como mecanismo de se manter fora da obrigatoriedade prevista na lei, e a imensa maioria das empresas com tal obrigação opta por convênio ou reembolso. Quando a creche é conveniada, ou se a mulher não encontra uma creche próxima do trabalho, também não auxilia efetivamente na manutenção do aleitamento materno.

Sem falar das mulheres que estão no mercado informal e que, além de trabalharem sem direitos trabalhistas, se submetem a relações de trabalho ainda mais precárias e abusivas, muitas vezes como empregadas domésticas e diaristas e se afastam muito cedo de seus bebês, subordinadas a uma carga e condições de trabalho que também dificultam e inviabilizam o aleitamento exclusivo e a continuidade da amamentação. Consequência disso é uma média de aleitamento materno exclusivo de apenas 54 dias e uma sociedade que desconhece a importância do aleitamento materno, que não apoia mulheres que amamentam. Uma sociedade que não entende que amamentar é algo natural e completamente saudável e considera que amamentar em público é feio e obsceno, e ainda supõe que a mulher que o faz está apenas se exibindo. O machismo aí fica extremamente evidente, uma sociedade que tolera muito bem mulheres de corpos e seios expostos na TV, em comerciais, no carnaval ou em qualquer situação onde nosso corpo cumpra o papel desejado de permanecer objetificado e sexualizado. É bem visto, aí tudo bem, mas amamentar e fazê-lo em público já é demais…

Falta apoio em todos os aspectos: faltam leis, politicas públicas, faltam boa orientação e informações de qualidade e temos em excesso o machismo que faz de tudo para nos convencer de que nosso corpo deve servir aos homens e amamentar não está incluso nisso. Cada aspecto desses que mencionei isoladamente pode prejudicar e mesmo inviabilizar a a amamentação. A imensa maioria das mulheres brasileiras sofre com todos esses aspectos. Há todo um contexto que dificulta e inviabiliza o aleitamento materno. O problema é estrutural, é sistêmico. Para superar efetivamente essa realidade, é preciso romper com o capitalismo e o patriarcado, é preciso uma revolução, mas enquanto não chegamos lá, precisamos lutar para criar as condições necessárias pra que amamentar seja um direito garantido e uma possibilidade real para todas as mulheres.

*Texto Renata Regina é militante do PCB e Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro Belo Horizonte MG

Na imagem camarada Paloma Silva militante do PCB e Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro Juiz de Fora MG