Nota em denúncia as Instituições de Ensino Superior Privado – IES

Via Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro- Bahia

Ainda que a narrativa constante sobre a conjuntura atual seja de crise, nunca é demais ressaltar seu viés e quem sofre com seus riscos. A humanidade atravessa a maior crise sanitária dos últimos cem anos, associada a outra forte e sistemática crise, a do capital. Frente ao ápice das políticas neoliberais que expressa altos níveis de informalidade, precarização e desemprego, este contexto caótico atinge a existência das classes trabalhadoras de todo o mundo. Trata-se de uma recessão econômica global que aprofunda ainda mais a miséria e desigualdade.

No Brasil, o governo Bolsonaro-Mourão e Guedes, priorizando o brutal favorecimento do grande capital, retira direitos dos trabalhadores (ativos, aposentados ou pensionistas), compromete o futuro da juventude e promove uma política genocida da população. Com projetos que vão desde reformas – como da Previdência Social – até medidas provisórias e portarias que flexibilizam as leis trabalhistas e fragilizam ainda mais setores estratégicos, como a educação, atingem diretamente os trabalhadores que atuam nessas áreas e, da mesma maneira, impulsionam os ataques ao povo ao fomentar seu projeto de sucateamento e financerização.

A pandemia do novo coronavírus, ao revelar e potencializar as contradições da sociedade capitalista mostra também a sua face mais destrutiva: o lucro acima das vidas. Com a paralisação das aulas presenciais, as IES – com o apoio do MEC – aproveitaram para acelerar o processo de institucionalização do ensino remoto, demitir ou suspender contratos de funcionários/as – dentre estes/as, muitos/as professores/as -, reduzir carga horária e salário, além de aumentar a demanda de trabalho através da intensificação de solicitações a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana, e aumentando exponencialmente o número de estudantes matriculados/as em disciplina. Com isso, vem expandindo seus ganhos e, obviamente, deixando claro seu interesse puramente mercantil.

Os grupos que controlam o ensino superior privado no Brasil já são demasiadamente ricos e favorecidos, tendo em vista a injeção de dinheiro público em seus cofres com programas como o FIES e ProUni. A Cogna (Kroton), por exemplo, uma das empresas que utilizaram a MP 936/2020 para suspender contratos e reduzir salários de professores/as com a justificativa de contornar a crise, fatura cerca de R$ 5,5 bilhões anualmente, e o salário de um de seus capitalistas daria para pagar o piso de 1.000 (mil) professores da educação básica com jornada de 40 horas semanais . Mesmo assim, o argumento das IES é de que precisam preservar a sustentabilidade de seu negócio e a vida de sua comunidade , mantendo empregos com acordos coletivos que pagam valores de R$400,00 e até menos que isso, a docentes doutores/as e mestres/as.

São contradições escancaradas de uma estrutura econômica que vão repercutir em toda a superestrutura que se ergue sobre ela. Relacionadas, acentuam ainda mais as diferenças sociais entre ricos e pobres.

Afinal, toda a estrutura social capitalista é desenhada como uma pirâmide de exploração para acirrar a disputa entre trabalhadores/as e tirar o foco da burguesia. Isso ajuda a explicar a falácia da meritocracia, por exemplo, onde uma pequena parcela da população trabalhadora tem ascensão à riqueza ou salários melhores e podem consumir mais, enquanto isso, outra parcela bem maior, apenas sobrevive. Esta última ocupa os bolsões de pobreza e miséria, vivendo na informalidade ou sob a renda do salário mínimo – aquele que se paga alguém num regime de contrato de trabalho formal em tempo integral, estabelecido enquanto piso para prevenir abusos de patrões (regra mínima social).

Na sociedade em que vivemos, os trabalhadores/as são submetidos a uma norma de salário de subsistência, no sentido de apenas fazer a manutenção da vida para voltar ao trabalho, numa clara lógica de dependência. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos), que faz análises mensais entre o salário mínimo nominal e salário mínimo necessário, o cálculo estimativo (agosto/dezembro de 2020) para sustento familiar de quatro pessoas sobre os custos das necessidades básicas de moradia, alimentação, saúde, educação, lazer, higiene, vestuário e previdência social – variando de acordo com o valor da cesta básica naquele mês – seria de um salário de R$ 4.536,12, ou seja, mais de R$ 3.500,00 que o salário mínimo atual.

Voltando à pauta dos/as professores/as das IES, é válido lembrar que o salário também depende do regime jurídico do contrato de trabalho e da garantia de pagamento, sendo assim, não são surpreendentes as medidas trabalhistas decretadas pelo governo federal, sabendo a quem ele serve. Pautados nas portarias, os grupos mercantis que controlam a educação superior privada no Brasil fizeram a “nova farra dos bois” , intensificando a exploração do seu corpo docente a níveis imensuráveis. Podemos então acreditar que esses grupos querem manter a vida de sua comunidade? Ou apenas querem tirar dela toda força, conhecimento e propósito? Quais os reais interesses desses grupos: democratizar o acesso à educação – como dizem, ou promover uma política deliberada de sucateamento da Ciência e da Educação? Os ataques aos/as professores/as atingem diretamente os/as estudantes dessas instituições, mas também condena ao atraso todo o país, que perde em desenvolvimento humano e subordina-se às grandes potências capitalistas, vendendo seus bens e seu povo.

Como a conjuntura é de crise e o sistema é do capital, o mercado global de alimentos não se preocupa com a soberania alimentar. Neste momento, uma combinação esdrúxula pressiona a alta dos preços para a população – o auxílio emergencial, a alta do dólar e a elevação dos preços dos combustíveis –, afetando os mais pobres. É impossível pagar todas as contas, comer, ir e vir (para o trabalho, é importante que se diga), descansar e ter qualquer tipo de lazer com um salário de miséria, de fome. O que se faz com menos de R$400,00? Não se paga um aluguel, não se faz a feira do mês com o básico, não paga o gás, a luz, a água, a internet (para trabalhar também, principalmente no caso dos/as professores/as), não se compra medicação, ou qualquer tipo de educação e cultura para si e/ para os/as filhos/as. Não há vida! É a condenação de toda uma categoria de trabalhadores/as à morte, ao adoecimento psicofisiológico e ao endividamento eterno.

Ao firmar o acordo coletivo, as IES também se apoiaram na MP 927/2020 , mantendo os vínculos empregatícios preponderantes sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais. Essa condição piorou a situação dos/as professores/as, pois os/as impede de conseguir auxílios, seguros ou qualquer outra forma de renda que não seja por meio de outro trabalho, igualmente ou mais precarizado. Nunca podemos subestimar os intelectuais da burguesia, e quando eles articulam os golpes contra a classe trabalhadora, o fazem de modo a garantir que as bases continuem super exploradas a ponto de quase não conseguirem se movimentar. Sabem que grande parte da categoria que trabalha na educação é mulher, e é interessante mantê-las ocupadas com preocupações extremamente desgastantes.

O Brasil tem mais de 11 milhões de mães solo , e 34,4 milhões de mulheres é responsável pela renda total de suas famílias, ou seja, quase metade dos lares brasileiros são sustentados por elas . Às mulheres é relegada uma sobrecarga emocional diária, com a busca de soluções para pagar as contas, associada ao trabalho que, para elas, sempre é cobrado ser o mais impecável possível, além dos cuidados e educação escolar dos/das filhos/as, trabalho doméstico, intensificação desta rotina em tempos de isolamento social, e a falta de lazer. Não existe privilégio em trabalhar em casa, isso é direito garantido que todo/a trabalhador/a deveria ter. No caso das mulheres, em particular, este fato produz um volume maior de trabalho, menor possibilidade de socialização, mais cansaço e decorrente precariedade na manutenção da saúde. Nesse contexto, a produtividade acadêmica caiu, são menos 13% de pesquisadoras atuantes , publicando, discutindo, fomentando teoria.

As empresas de educação ainda têm a pachorra de solicitar maior criatividade, pagando menos, explorando mais, dando nenhuma estrutura para execução das funções, pressionando com curtos prazos, totalmente desorganizados e exigentes. Como é possível ao/a professor/a se reinventar? Estamos exaustos! Estamos pagando dos nossos bolsos. Da nossa alma. Com nossa saúde. Improvisando com nosso capital cultural para educar nossa classe, que não tem o hábito do estudo porque foi negligenciada por um sistema vampiro. E ainda querem nos obrigar a voltar às aulas presenciais. Nós, que a duras penas de nossas consciências críticas nos mantivemos isolados para não morrer e transportar um vírus mortal para nosso povo, e ainda assim enterramos mais de 130 mil notificados.

Por isso e por muitas outras é preciso se organizar. Para quem trabalha na educação privada, é hora de procurar o SINPRO de seu estado e filiar-se. Diante da injustiça, não se entristeça, não compactue, não pense que é assim mesmo. Radicalize sua atuação, organize sua indignação e lute por seus direitos!