‘’Tem coisa que não é geral para toda doméstica, mas uma coisa que eu posso dizer que é geral a todas as domésticas é que nenhuma vai ser doméstica porque quis e porque escolheu. Isso eu digo e pode pesquisar, ninguém veio porque quis. A gente não teve condição de escolher; a gente vem por uma necessidade’’. (Lenira Carvalho, 1982, Cadernos de Educação Popular – Depoimentos de uma doméstica)

O trabalho doméstico no Brasil assume, historicamente, particularidades que abarcam as raízes colonialistas que tanto sugaram a vida de trabalhadores escravizados explorados como propriedade e meio de produção. O trabalho braçal no espaço doméstico carrega essa herança do período colonial perdurado em quase quatro séculos e prorrogado sob a mesma égide de exploração da força de trabalho de mulheres negras juntamente com negação de direitos mínimos para essa categoria, precarização pelas jornadas extensivas nos lares e privação até mesmo das suas próprias vidas privadas.

Chegamos ao século XXI com trabalhadoras domésticas seguindo o mesmo perfil, 63% delas são mulheres negras e pobres que não tiveram escolha. Com o assolamento da crise econômica e política agravada pela pandemia do coronavírus no último ano, vimos como registro de primeira vítima fatal uma trabalhadora doméstica ser atingida pela hierarquização da pirâmide social.

A negação do direito ao isolamento social custou a vida de muitas e muitos. Como não se lembrar do menino Miguel, filho de Mirtis, negligenciado pela patroa Corte Real nos primeiros meses da pandemia? Ou mesmo antes do caos pandêmico, com o assassinato de Cláudia, também trabalhadora doméstica e periférica, atingida em um tiroteio e arrastada pelo camburão da polícia militar? Inesquecível como a cena de um casal branco visivelmente de classe média alta, vestidos de verde e amarelo, levando a trabalhadora doméstica negra para cuidar de seu filho em uma manifestação, em Copacabana, contra a presidenta do governo ainda vigente em 2016.

Esses casos explícitos revelam um pouco da realidade dentro e fora do âmbito privado do trabalho vivenciado por essas mulheres que não tiveram escolha. No dia da trabalhadora doméstica continuamos reivindicando a importância da organização dessa categoria pelo processo de consciência da necessidade de mudança social e pela garantia de direitos que fiquem acima de qualquer lógica que mercantilize, marginalize e banalize a vida.