Via Jornal Combate Socialista

Entrevista com Sofia Manzano, membra do Comitê Central do PCB, economista, mestre em Economia pela UNICAMP, doutora em História Econômica pela USP, professora de economia da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia).

Combate Socialista: Qual a sua opinião sobre a frente ampla liderada por Lula/PT?

Sofia Manzano: Ainda não sabemos ao certo qual será a amplitude das alianças eleitorais do PT, uma vez que ainda não oficializaram nem a pré candidatura. No entanto, pelas conversas dos principais dirigentes do partido e do próprio Lula, é uma frente que reedita de forma inoportuna o princípio da conciliação de classes e rebaixa ainda mais as possibilidades de construir um governo que realmente interesse aos trabalhadores e ao desenvolvimento do país. O PT abandonou a perspectiva da centralidade do trabalho no seu horizonte de governo. Diante das alianças que estão sendo procuradas pelo Lula, pode-se ter, em caso de vitória eleitoral da aliança petista, um governo centrado, do ponto de vista do discurso, na defesa de uma cidadania difusa, cuja ideia central talvez seja, novamente, reeditar políticas sociais focalizadas. Contudo, a crise brasileira é enorme e sem precedente na nossa história recente, isso de mandará medidas radicais de reestruturação do papel do Estado na resolução da crise econômica e social.

CS: Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas sociais contra Bolsonaro?

SM: Nesses três anos de governo Bolsonaro as maio res manifestações e embates que ocorreram nas ruas não tiveram a participação decisiva dos segmentos que hoje consideram mais importante articular as alianças eleitorais. Um dado importante dessa postura conciliatória é que a campanha pelo impedimento de Bolsonaro não teve a repercussão que esperávamos. A conciliação política tem impedido, inclusive, que as lutas contra as contrarreformas consigam ter maior impacto social e de massas. Quando a centralidade política de um partido importante como o PT está volta da para o processo eleitoral, balizas que precisam ser orientadas nas lutas de classes perdem o seu significado tá tico, ou seja, imediato.

CS: O que a esquerda deve fazer?

SM: As tarefas da esquerda não são poucas. Desde o trabalho de organização autônoma da classe trabalhadora, até o debate sério de um projeto para o Brasil que seja pautado pela independência de classe, nós temos um enorme campo de trabalho pela frente. Ao colocar esses eixos, não estou deixando de ressaltar a importância do momento político eleitoral. Existe, sempre, nesse momento de disputa de projetos políticos um maior envolvimento do conjunto da população e da classe trabalhadora. Portanto, é importante abrir, através de formas concretas de diálogos, o debate com a sociedade. Existe, hoje, uma tendência de polarização despolitizada que tem pautado o cenário político brasileiro. Essa forma de objetivar a política é funcional ao projeto da ordem burguesa. Presenciamos nas últimas disputas uma perigosa alie nação política que não tem permitido aprofundar as questões fundamentais do país. A população não está votando em projetos, está votando em pessoas que se apresentam de forma mistificadora e, às vezes, de forma mentirosa no debate e na disputa. Esse é um risco muito sério, pois, levou inclusive à eleição do Bolsonaro. A esquerda deve construir um projeto para o Brasil em que independência de classe seja sempre preservada. Isso é possível e viável. Uma pena que uma par te da esquerda não consiga enxergar essa possibilidade, ou seja, não perceber que não dá para contar com a burguesia interna para na da, uma vez que ela já demonstrou inúmeras vezes que seu projeto é mesmo predatório. Precisamos de um governo que, pautado num projeto de poder popular, ajude a construir um amplo movimento de massas pela revogação das medidas predatórias aprovadas nos últimos anos. Precisamos recuperar o poder do Estado na condução da política econômica e social. Precisamos reestatizar setores estratégicos para o desenvolvimento, ter um Banco Central que opere no senti do dos interesses da população e não do chamado “mercado”. Revogar uma série de medidas, a exemplo da lei do teto de gastos e das contrarreformas trabalhistas e previdenciárias, que organize um conjunto de defesas do trabalho e da proteção social, que desenvolva o SUS, que invista na ciência e tecnologia com função social e que tenha a universidade como instrumento de transformação da realidade, entre outras ações.

CS: Qual a sua opinião sobre a busca de um bloco ou frente das esquerdas socialistas e comunistas do PSOL, UP, PCB e PSTU?

SM: Esses partidos, além das Frentes Povo Sem Medo, Fórum Sindical e Popular, e dos movimentos populares e sociais, foram os principais protagonistas das lutas concretas contra o governo Bolsonaro. Nós estivemos nas ruas, em amplas manifestações durante os últimos anos. Combatemos nas periferias contra a violência policial, estivemos nas lutas contra as opressões da sociabilidade capitalista (racismo, machismo, lgbtfobia), nos organizamos para prestar solidariedade de classe contra a fome, lutamos pela vacina contra a Covid-19, etc. Esse campo político esteve atuante no confronto ao obscurantismo e ao negacionismo das hordas bolsonaristas. Apesar de algumas diferenças importantes, nossa luta deve ser construir uma forte unidade de ação e organizar a frente anticapitalista e anti-imperialista. Nós do PCB estamos fortemente comprometidos com esse projeto de poder popular e procuraremos sempre a unidade política da nossa classe.