Pelo direito das mulheres à vida, à saúde, à educação e ao trabalho!

 

A decisão do Tribunal Superior Federal que decretou a liberdade de funcionários de uma clínica clandestina na qual se realizavam abortos no Rio de Janeiro representa uma importante decisão no campo jurídico frente à luta histórica das mulheres trabalhadoras
contra a criminalização do aborto e pela garantia de saúde integral e universal para as mulheres.

Uma das principais argumentações do ministro Luís Roberto Barroso para justificar a decisão foi a defesa dos direitos fundamentais das mulheres. De acordo com ele, o código penal (que é da década de 40), ao criminalizar o aborto, entra em desacordo com a constituição de 88. Dessa forma, a justiça deve seguir os princípios constitucionais.

O ministro em seu discurso faz a defesa das pautas defendidas historicamente pelos movimentos das mulheres comunistas e/ou feministas. Ele afirma que a criminalização antes do terceiro mês de gestação viola o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher e provoca discriminação social e um impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres.

A criminalização do aborto é mais uma forma de controle sobre a vida das mulheres trabalhadoras, principalmente sobre as mulheres negras e pobres das periferias urbanas. A justificativa do direito à vida expressa por setores religiosos mostra-se totalmente
contraditória quando analisados os números de mortes de mulheres devido a abortos clandestinos. Estatísticas apontam que são realizados cerca de 46 milhões de abortos anualmente em todo o mundo, aproximadamente 160 mil por dia. Entre esses, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 19 milhões são feitos de maneira clandestina e insegura, resultando na morte de 70 mil mulheres por ano e mais 5 milhões que enfrentam sequelas do procedimento mal realizado. As leis restritivas são a causa
fundamental dessas mortes. Em países onde se descriminalizou o aborto e se investiu em educação sexual e reprodutiva os números de abortos diminuíram, como é o caso recente do Uruguai.

Não é possível falar sobre a criminalização do aborto sem fazer o recorte de classe e raça/etnia já que as mortes ligadas a esse procedimento se dão em sua esmagadora maioria ligadas aos procedimentos inseguros, feitos em casa ou em locais sem condições mínimas de tecnologia e limpeza (essas clínicas cobram mais barato pela realização de abortos). As mulheres ricas podem pagar clínicas caras, com alta seguridade nos procedimentos, acesso à anestesia e apoio psicológico por profissionais de saúde. Enquanto isso as mulheres pobres, em sua grande maioria mulheres negras, morrem por abortos clandestinos e têm que sofrer com procedimentos dolorosos e inseguros, muitas vezes solitárias, abandonadas por seus parceiros, família e Estado, sendo que as mulheres negras ainda sofrem com todo o racismo institucional. Ou seja, a morte por abortos tem raça e classe, também é mais uma expressão do extermínio da população negra no Brasil. De acordo com dados do último Relatório Socioeconômico da Mulher, elaborado pelo Governo Federal, a mulher negra é a que mais morre por causas obstétricas (62,8% de mulheres negras versus 35,6% das mulheres brancas), sendo que as principais causas de mortalidade materna entre essas mulheres são hipertensão, hemorragia e abortos inseguros.

A PEC 55, A MP 746 ( REFORMA DO ENSINO MÉDIO), O PROJETO ESCOLA SEM PARTIDO E A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO – FACES DE UMA MESMA MOEDA?

A reação do Congresso à decisão do STF, que já afirma que haverá propostas para mudanças constitucionais a favor da criminalização, é mais uma expressão do conservadorismo e obscurantismo no espaço da pequena política brasileira, realizada por setores hegemônicos no poder executivo, legislativo e judiciário.

Coincidentemente ou não, essa decisão estoura em um momento onde um dos maiores ataques à classe trabalhadora está em curso. Com a PEC 55 aprovada as trabalhadoras e trabalhadores penarão com os ataques à saúde, educação, aos salários e à previdência. Quem mais sofrerá com esses ataques são as mulheres trabalhadoras, já que essas são majoritariamente as usuárias e trabalhadoras do SUS e da educação básica, bem como são as principais responsáveis pela a educação dos filhos. São as mulheres, principalmente as negras que ficam nas filas de hospitais e postos de saúde desde a madrugada para encontrar vagas para elas e para os familiares ou nas filas para matricular os filhos nas escolas. São também a parte da população que menos consegue a aposentadoria, já que são a maioria que ocupam os trabalhos informais. Com a PEC 55, as responsabilidades estatais recairão cada vez mais nas costas das mulheres, já que são essas as principais responsáveis pela produção e reprodução da vida dentro das famílias.

Assim, a manutenção da criminalização do aborto é mais uma forma de reafirmar a subjugação da mulher que é obrigada à maternidade e ao cuidado familiar. Não importa para o patriarcado se milhares de mulheres morrem todos os dias devido à abortos clandestinos, já o que está em jogo não é a vida, mas sim a reprodução ideológica e social do formato da família individualista burguesa, do patriarcado e a manutenção das múltiplas jornadas de trabalho da mulher, que tem que cuidar dos filhos, cuidar e satisfazer sexualmente os maridos, manter a higiene da casa, preparar os alimentos, cuidar dos idosos e ainda trabalhar fora. Ou seja, todas as obrigações que deveriam ser do Estado são supridas no interior das famílias pelas as mulheres, ou por empregadas domésticas, que majoritariamente são mulheres negras, contratadas em péssimas condições de trabalho. Por
isso, também não é possível trazer o debate sobre o tema se não trouxermos também a questão do direito a maternidade e o fim da maternidade compulsória.

Por outro lado, a Reforma do Ensino Médio, que exclui matérias fundamentais como filosofia, sociologia, artes e educação física do currículo das escolas e o projeto Escola Sem Partido (chamado por movimentos sociais e sindicatos de Escola Com Mordaça) é uma clara tentativa de acabar com o pensamento crítico nas escolas e formar trabalhadoras (os) cada vez mais alienadas e tecnicistas, sem capacidade para refletir sobre suas próprias vidas e se rebelar contra esse sistema. O projeto Escola Com Mordaça, já traz em sua gênese, críticas às ideias do movimento feminista e do marxismo, mostrando claramente que a intenção é moldar as e os estudantes a partir das ideias hegemônicas na sociedade patriarcal e capitalista e limar qualquer forma de pensamento que diverge da ideologia burguesa.

APONTAMENTOS DE LUTAS

Como já foi dito, a decisão do Supremo Tribunal Federal ao apontar a criminalização do aborto como anticonstitucional é um importante marco para as disputas pelos direitos reprodutivos das mulheres, mas esse elemento só será potencializado se fizermos com que ele ganhe corpo social em lutas e organização das mulheres trabalhadoras. Na maioria dos serviços do SUS, desde a atenção básica até o nível hospitalar, não há profissionais
preparados para acolher as mulheres que desejam fazer abortos e para dar andamento ao procedimento. Para além disso a falta de leitos nos hospitais públicos, a falta de insumos básicos e a alta precariedade e insalubridade do trabalho na saúde pública tornam esse ambiente ainda mais hostil para as mulheres.

Nesse sentido é necessário lutar contra o sucateamento do SUS, contra a Reforma do Ensino Médio e contra o projeto Escola Sem Mordaça. É necessário organizarmos as trabalhadoras em seus locais de trabalho e estudo para lutar contra os desmandos desse
Congresso, Senado e presidência. Precisamos forjar um movimento amplo de trabalhadoras, que não venha somente da academia, mas também do chão da fábrica, das periferias, do ambiente doméstico.

Por uma educação laica e crítica!
Pela formação de profissionais de saúde que sejam
capazes de acolher e conduzir a realização de abortos seguros! Por educação sexual para prevenir!
Por condições de trabalho e educação dignas para possibilitar que todas as jovens não dependam de um casamento para sobreviver!
Que todas as mulheres tenham acesso à educação, arte, esportes, lazer!
Por uma maternidade consciente e não imposta!
Por creches, asilos, hospitais, restaurantes públicos e de qualidade!
Pelo aborto seguro, pela a vida das mulheres!

Coordenação Nacional
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

Brasil, Dezembro de 2016