Nascida na terra de Zumbi, em um povoado localizado em União dos Palmares (AL) no ano de 1917, Maria Mariá como popularmente era conhecida, têm em seu seio familiar patriarcas latifundiários e coronéis. Tendo uma criação rígida revestida com o coronelismo enraizado em terras alagoanas. Apesar disso, foi bem subversiva e questionou constantemente os papéis femininos destinados às ‘’moças de família’’. Iniciou seus primeiros estudos na sua cidade natal no tradicional grupo escolar Rocha Cavalcanti; após terminar o primário, vem para a capital do estado para cursar a Escola Normal.

 

Além da formação profissional em magistério, ampliou seus estudos lendo revistas, jornais e livros de escritores russos e franceses como Tolstoi, Dostoievski, De Saint Exupéry e Émile Zola. Nos anos 1960, voltou a estudar e concluiu o curso técnico de contabilidade.

 

Maria Mariá também modificou práticas tradicionais das escolas daquela época, como exemplo: ela aboliu o uso da palmatória, classificada por ela como “um instrumento de tortura”. Em 1955, assumiu a direção do Grupo Escolar Jorge de Lima e, no ano seguinte, passou a dar aulas de gramática no Ginásio Santa Maria Madalena, da Campanha de Escolas da Comunidade – CNEC. Oito anos depois assumiu a 7ª Inspetoria Regional.

 

Questionou a situação de abandono da educação pelo Estado e em 1963 publicou na Gazeta de Alagoas uma carta aberta ao então Diretor da Educação do Estado, sem temer pela perda da função ou qualquer outra perseguição política. Há quem aposte que ela militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas nas suas referências Maria Mariá não cita isso. De tanto escrever para jornais, foi credenciada como jornalista pela Associação Alagoana de Imprensa em 17 de dezembro de 1965, recebendo o registro número 218.

Enfrentando tabus, foi a primeira mulher em União dos Palmares a usar calça comprida. Era acusada de se vestir como homem. Além disso, era vista disputando jogos de sinuca, dominó, baralho e gamão com os homens da cidade. Não sendo casada, nada a impedia de frequentar o mundo boêmio de sua cidade, mesmo sabendo que chocava as tradicionais famílias locais. De alma inquieta e festeira, fumava em público, tocava violão, bebia nos bares e botecos, promovia vaquejada, incentivava a criação de blocos carnavalescos e, com seu irmão Paulo.

 

Ela organizou vários eventos culturais em União dos Palmares como: 1ª Festa da Mocidade, Grupo Dramático de Atores Amadores, festas de formatura, bingos beneficentes, fundação da Biblioteca Pública Municipal Jorge de Lima, sendo a primeira bibliotecária do município. Além da organização dos festejos de inauguração da iluminação pública da cidade, lutou bravamente pelo tombamento da Serra da Barriga, presidindo a comissão que organizou o evento, e pela criação de um Parque Histórico de preservação da memória heroica da Nação Zumbi. Foi ainda grande incentivadora das manifestações folclóricas da região da Mata e, principalmente, apaixonada pelo texto de cordel, que lia avidamente e sabia recitar muitos deles de memória.

 

Em 1956 causou alvoroço na cidade ao vestir um maiô e se deixar fotografar às margens do rio Mundaú, expondo as fotos para as alunas do Grupo Escolar Jorge de Lima, que ficaram deslumbradas com a professora. O acontecimento desagradou a direção da escola que exigiu das autoridades da educação um castigo para a “devassa”. Com isso foi punida com o exílio, transferida para a cidade de Murici, lecionando no Grupo Escolar Professor Loureiro, permanecendo nessa instituição por seis meses. O que as autoridades não contavam era com a repercussão que o fato passou a ter. Suas alunas não deixaram o caso cair no esquecimento; resolveram acampar na porta do palácio do governo, em Maceió, exigindo do então governador do Estado, Muniz Falcão, que cancelasse a punição imposta à mestra.

 

O acontecimento ganhou a manchete nos jornais e, diante da pressão dos jovens acampados na praça, o governador recebe a comitiva em audiência e decide pelo retorno de Mariá. No dia seguinte, 19 de abril de 1956, o Jornal de Alagoas apresenta a seguinte manchete: Ginasianas de União dos Palmares estiveram com o governador a propósito do caso da prof. Mariá. Volta a União dos Palmares e é recebida com respeito e carinho.

 

Logo estava novamente envolvida com outra luta e entra em confronto direto com vários interesses políticos, econômicos e religiosos para defender o que ela considerava “patrimônio da terra”: a Igreja Matriz ia ser demolida. O projeto era que ela fosse “substituída por uma construção quadrada, sem estilo definido, parecendo um armazém, uma casa comercial, um salão de dança, tudo menos um local para preces e meditações” (Gazeta de Alagoas, 13 de março de 1977).

 

Mesmo se afirmando publicamente como ateia, conversava constantemente com o pároco e por vezes o criticou por ser estrangeiro e não conhecer os valores e os interesses de sua comunidade. Mostrou sua indignação quando soube que a velha Matriz seria demolida, e iniciou a mobilização da comunidade dizendo que ela era quem devia decidir por meio de plebiscito e ataca o vigário e alguns conterrâneos por não ouvirem os moradores.

 

Sempre preocupada com a preservação da cultura de Alagoas e, em especial, de União dos Palmares, desde muito cedo Maria Mariá adquiriu o hábito de guardar e colecionar todo e qualquer objeto que considerava de valor histórico. Morando sozinha, transformou a sua residência, uma casa que pertencera à família do poeta Jorge de Lima, em um museu- que continua existindo. Lá, em meio a belos móveis que remontam ao século XIX, reuniu um enorme acervo, tudo devidamente catalogado, segundo o seu critério: selos, dinheiro de várias épocas, placas com nomes de rua, revistas “Manchete”, “Fato e Fotos” e “Seleções”, livros, folhetos de cordel, artigos de jornais da época, as pedrinhas que os alunos usavam para irem ao banheiro, telhas e pedaços de portas e janelas da igreja demolida e de casas antigas, ricas peças de louças, porcelanas raras, cerâmica, máquinas de datilografia, relógios, instrumentos musicais, fotografias e objetos curiosos como “uma xícara de bigode”, usada no começo do século XX por homem que tinha bigode.

Mariá faleceu em fevereiro de 1993, vítima de um infarto, aos 76 anos de idade. Deixou um legado de não conformação com o machismo estrutural, as raízes oligárquicas e o conservadorismo que se sustenta mascarado de tradicionalismo.

Viva a camarada que foi e ainda é referência na luta por uma sociedade igualitária!

 

Fontes:

 

ROSA E SILVA, E. Q.; BOMFIM, E. A. (Org). Dicionário Mulheres de Alagoas ontem e hoje. Maceió: Edufal, 2007.

 

SCHUMAHER, S. Gogó de Emas: a participação das mulheres na história do Estado do Alagoas. Rio de Janeiro: REDEH, 2004.

 

TICIANELLI. Maria Mariá, a guerreira da terra de Zumbi. Blog História de Alagoas. Disponível em: < http://www.historiadealagoas.com.br/maria-maria-a-guerreira-da-terra-de-zumbi.html> Acesso em: 30 Set. 2017.