NOTA DE REPÚDIO AO PROJETO DE LEI 0352/2019
Via Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro do Estado de São Paulo
No dia 28 de maio do corrente ano, o vereador da cidade de São Paulo, Capital, Fernando Holiday, propôs um Projeto de Lei que recebeu o número 0352/2019, a ser submetido à votação do legislativo daquela Cidade. O teor do referido projeto possui como objeto a internação compulsória das mulheres que realizam abortamento nos casos não previstos em lei. Dentre outras propostas abjetas, o vereador do Democratas (DEM) e coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) obriga as mulheres a submeterem-se a tratamento religioso.
Seguem abaixo alguns fragmentos das flagrantes ilicitudes, inconstitucionalidades e inverdades médicas do PL nº 0352/2019:
Art. 2º – O Município só realizará o procedimento do abortamento de feto ou embrião mediante a apresentação de alvará expedido por autoridade judiciária.
§1º – Os alvarás judiciais serão submetidos à Procuradoria-Geral do Município que, se entender que é o caso, oferecerá recurso ou entrará com a medida cabível para suspendê-los e cassá-los.
Art. 3º – Antes de realizar o abortamento, a detentora do alvará aguardará o prazo mínimo de 15 (quinze) dias, em que se submeterá, obrigatoriamente, a:
I – atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento;
II – atendimento psicossocial que explique sobre a possibilidade de adoção em
detrimento do abortamento;
III – exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos;
IV – demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas.
§1º – Obrigatoriamente, a detentora do alvará terá que passar por todos os procedimentos previstos nesta Lei, bem como ver e ouvir os resultados do exame de imagem e som.
§2º – A gestante cuja gravidez teve origem em violência sexual será assegurada de que a manutenção da gravidez para adoção ou para o exercício do poder familiar por ela própria não implicará qualquer contato com o autor do crime.
Art. 5º – Obrigatoriamente, a gestante passará por atendimento religioso, sempre que ela e seus pais expressarem qualquer forma de teísmo.
A barbárie deste Projeto divide-se em duas categorias que devem ser analisadas dialeticamente: a social e a jurídica.
Deve-se apontar, com rigor e explosiva revolta, que o PL nº 0352/2019 apresenta claros sinais de violência e apologia à tortura. A internação compulsória de mulheres é uma evidente tentativa de resgatar períodos manicomiais, de caça às bruxas e de verdadeiro holocausto. É a mais flagrante e repudiante regressão a séculos de luta e avanço. As propostas servem, claramente, para descaracterizar a lucidez e o domínio feminino sobre seus próprios corpos. Assim como miseravelmente perpetuado e acentuado pelo sistema capitalista de opressão e exploração, o PL de Fernando Holiday subjuga o gênero feminino, jogando-nos ao escanteio e à margem de nosso sistema reprodutivo e negando-nos a plena e mais cabal participação política naquilo que é de nossa própria ordem.
Como se não bastasse, as obrigatoriedades trazidas pelo Projeto, como a sujeição a “exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos” e “demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas”, são, nitidamente, métodos de tortura psicológica, que usarão de falácias, mentiras sem fundamento científico e deturpações, ao afirmar que o feto é “fatiado” ou mesmo que ele “reage” ao processo, a fim de amedrontar, traumatizar e punir as mulheres que intentam o abortamento.
O Projeto de Lei nº 0352/2019 é absurda regressão a séculos de luta que, pouco a pouco, em passos de lentidão, têm tentado desmistificar o aborto e romper com os estigmas sociais. Principalmente no que tange à regulamentação do estupro, quando em flagrante bárbaro incentivo à criminalização do aborto em casos de violência sexual.
Em igual importância, há a categoria jurídica. De uma só vez o mencionado PL fere: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/1988); o repúdio à tortura e ao tratamento desumano e degradante (artigo 5º, III, da CF/1988); a inviolabilidade do direito de se ter ou não uma crença (artigo 5º, VI, da CF/1988); a privação de direitos por razões de crença particular (artigo 5º , VIII, da CF/1988); a impossibilidade de constranger e submeter qualquer pessoa a sofrimento físico e mental em razão de religião (Lei nº 9.455/1997, que “Define os crimes de tortura e dá outras providências); a limitação dos poderes dos procuradores municipais (Lei nº 13.105/2015, Código de Processo Civil); entre tantas outras inconstitucionalidades e ilicitudes mais.
É inconteste que o Projeto de Lei nº 0352/2019 fere inúmeras normas, estando eivado de vícios que o levam ao veto, pois está totalmente na contramão dos princípios e regramentos previstos na Constituição Federal, bem como das leis federais ordinárias vigentes – especialmente quando condiciona determinação judicial aos poderes limitados dos procuradores municipais e disciplina sobre assuntos que deveriam ser discutidos na Câmara e no Senado, não pelos vereadores de um município.
Assim, para além dos absurdos de ordem minimamente humana, o PL deve ser vetado pela sua incapacidade material e normativa. Ademais, por fazer clara apologia à tortura, deve o vereador relator do Projeto, Fernando Holiday, ser condenado à perda do cargo, função ou emprego público e à interdição de seu exercício, nos termos do artigo 1º, §5º, da Lei nº 9.455/1997.
Também é necessário afirmar que, na verdade, o PL nº 0352/2019 é uma tentativa de sobrevivência do próprio MBL, que surgiu da onda conservadora pós-2013 e sobreviveu por meio da difusão do antipetismo e, posteriormente, perdeu credibilidade ao apoiar as contrarreformas trabalhista e previdenciária. Agora, mesmo em tempos de forte conservadorismo e retrocesso, o MBL vem esvaindo forças e sendo cada vez mais desmoralizado. Assim, tentam se sustentar apresentando projetos como esse que, mesmo cientes de sua inexecutabilidade e inconstitucionalidade, têm o condão de dar luz ao Movimento. Por tal razão é que os representantes do MBL no Legislativo os colocam em voga: pois são crentes na eficácia do sensacionalismo e do senso comum – assim como fizeram com a propositura do PL nº 19/2019, em que Fernando Holiday sugere a extinção de cotas raciais em concursos públicos.
No mais, nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro do Estado de São Paulo, permaneceremos atentas e vigilantes a toda e qualquer movimentação no trâmite do referido Projeto. Continuaremos rebatendo as falácias em torno da questão do aborto; seguiremos difundindo os debates de gênero; manteremos nossas denúncias ao sistema capitalista e patriarcal que nos distancia da busca por nossos direitos; e, principalmente, lutaremos incansavelmente em defesa de nossa classe.
PELO VETO DO PL Nº 0352/2019 POR SUAS INCONSTITUCIONALIDADES E ILICITUDES!
PELA CONDENAÇÃO DO VEREADOR FERNANDO HOLLIDAY POR APOLOGIA À TORTURA!
PELOS DIREITOS REPRODUTIVOS DAS MULHERES!
PELA EMANCIPAÇÃO HUMANA!
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro do Estado de São Paulo
24 de junho de 2019.
Repúdio ao projeto Fascista de Holliday