Mulheres, crise e Covid-19

 

 

“Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal, tirando o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra etc. Só a primeira é proibida por nosso Estado.” – Beltolt Brecht

No dia 26 de fevereiro, há exato um mês atrás, foi registrado o primeiro caso do novo coronavírus (COVID-19) no Brasil. Dada sua fácil transmissibilidade e disseminação, rapidamente o vírus atingiu todos os continentes e recebeu a denominação de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Somada a situação pandêmica, o cenário de crise econômica, social e sanitária que já assolava nosso sistema, toma maiores proporções, evidenciando mais do que nunca a decadência do sistema capitalista e as falácias do neoliberalismo. Diferentemente do que o ministro da economia, Paulo Guedes, ousou afirmar, a crise não é uma sucessão direta ou consequência do coronavírus. Já em 2019, o crescimento do Produto Interno Brasileiro (PIB) foi medíocre, inclusive pior do que o chamado “PIBinho” (tal como os monopólios de mídia se referiam na época de Dilma), a taxa de investimento público e privada é a menor em 20 anos, a inadimplência atinge hoje mais de 50 milhões de brasileiros e cerca de 40 milhões de trabalhadores e trabalhadoras ocupam postos informais sem nenhum rendimento fixo, sem mencionar a crescente taxa de desemprego de nossa população.

Atualmente, mais de 60 mortes foram confirmadas em todo país, a despeito da subnotificação, falta de testagens e do possível encobrimento dos casos por partes de alguns estados, como é o caso de Minas Gerais, cujo governador Romeu Zema (NOVO) nega o registro de mortes pelo coronavírus, embora em menos de 72 horas uma funerária de Belo Horizonte tenha recebido 32 corpos de pessoas que morreram por insuficiência respiratória grave[1]. Desde o princípio, há uma tentativa irresponsável e mentirosa de atenuação da situação brasileira por meio de declarações que associam a pandemia à uma “gripezinha” (“gripezinha” é para quem tem leito reservado no Hospital Sírio Libanês ou no Albert Einstein como o clã Bolsonaro) ou que recorrem à terminologias bastante infelizes da psiquiatria, como é o caso do uso do termo “histeria” que, durante muito tempo legitimou e ainda legitima práticas machistas, repressivas, patologizantes e atinentes à lógica manicomial. Isso ocorre quando Bolsonaro, desrespeitando as medidas de segurança do Ministério da Saúde e da OMS, insiste em declarar que a pandemia é uma fantasia histérica ou uma neurose [2].

Enquanto boa parte do mundo prioriza a saúde coletiva em detrimento dos rendimentos econômicos com medidas para proteger emprego e renda dos trabalhadores, estatização de hospitais privados, reorientação da produção de fábricas de vários setores produtivos para produzir insumos, materiais e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como no caso chinês, e medidas de ampla triagem, testagem da população e controle do isolamento, o Brasil tem aplicado tímidas medidas de mitigação, que têm partido sobretudo dos governos estaduais, das prefeituras e das autarquias universitárias, radicalizando os efeitos sociais, sanitários e civilizatórios num cenário de caos que não vivíamos globalmente desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo durante esse cenário, Bolsonaro e sua corja seguem as determinações de Washington, conseguindo reproduzir a progressão ianque ainda piorada nas terras tupiniquins, e saem na defesa dos interesses da elite parasitária a fim de garantir a sanha dos acionistas e rentistas, mesmo que para isso tenham que sacrificar a vida de milhares de pessoas em prol do mercado.

Está em jogo o desmantelamento ainda maior dos direitos sociais, o aumento da exploração e a intensificação da virulência de um modo de produção predatório que solapa a natureza, as riquezas e o homem, que visa apenas obter maiores lucros e rentabilidade para os capitalistas, mercantilizando e descartando vidas humanas, em especial a de nós trabalhadores e trabalhadoras. Trata-se de um verdadeiro genocídio do povo brasileiro, que padece e padecerá seja pelo vírus, com a situação angustiante de sufocamento, dificuldade, dor para respirar e com a sensação de estar afogando em si próprio com os pulmões cheios de água, ou seja com a não menos angustiante realidade de ter só ar dentro do estômago.

Os lucros são privatizados e os prejuízos socializados, é assim que funciona no capital. Enquanto as classes dominantes se desesperam na ânsia por mais lucros do alto de seus belvederes e de suas torres de marfim, trabalhadores e trabalhadoras são obrigados a continuar expondo suas vidas ao perigo no próprio ambiente de trabalho e em transportes públicos lotados, demonstrando que a quarentena é, infelizmente, um direito negado a boa parte da população. Dentre essa miríade de pessoas, destacamos as mulheres que ocupam parte significativa dos postos de trabalhos informais e que estão em sua maioria nos call centers e trabalhando como empregadas domésticas e cuidadoras. Que nunca seja esquecido que uma das primeiras mortes pelo coronavírus no país foi a de uma empregada doméstica que, mesmo pertencendo ao grupo de risco, trabalhou até o último momento na casa de sua empregadora diagnosticada com COVID-19 após retornar de uma viagem para a Itália[3]. Ora, cadê as empregadas domésticas que estavam indo para a Disney como o ministro da economia proferiu para tentar justificar sua notória incompetência diante da alta do dólar? Que nunca seja esquecido que, enquanto vários patrões têm seu direito à quarentena, milhares de empregadas domésticas ainda trabalham, inclusive para quem está diagnosticado com o vírus[4], agora mesmo, enquanto você lê esse texto. Que nunca seja esquecido que mesmo na quarentena social, mulheres se prostituem por R$ 30,00 nas ruas das grandes cidades, ganhando durante o dia aquilo que garantirá que possam comer à noite[5].

Além disso, as mulheres experienciam um risco aumentado ao COVID-19 por estarem, em sua maioria, na linha de frente dos hospitais e serviços de saúde. No mundo, cerca de 70% das equipes são compostas por mulheres que, atualmente, se deparam com a falta de EPIs e de recursos em muitos países. Destaca-se também a preocupação diante das mulheres grávidas e daquelas que necessitam de alguma rotina de cuidados em saúde que, diante da pandemia, podem sofrer com falhas nas linhas de suprimento no que se refere à saúde sexual e reprodutiva[6]. E, uma vez que a população idosa é mais suscetível ao coronavírus e à progressão do acometimento da doença, é importante nos questionarmos: quem cuida de quem mais precisa de cuidados nessa fase da vida? Estamos falando de uma categoria que é em sua esmagadora maioria feminina, e que está em uma situação maior de risco por se tratar de um trabalho de proximidade[7]. E mesmo com a pandemia, as jornadas de trabalho da mulher não se tornam menos extenuantes. A suspensão das aulas e o fechamento de creches e escolas acentuam o trabalho doméstico e as tarefas para com a maternidade que, na sociedade em que vivemos significa um maior fardo para a mulher. Quem reclama do tédio e da falta de afazeres em casa durante o período da quarentena, pode estar em um lar onde alguém esteja sobrecarregado, muito provavelmente, esse alguém é, também, uma mulher.

Em uma sociedade cindida em classes e marcada pelo antagonismo central entre capital e trabalho, em suma, em uma sociedade desigual, os efeitos serão desiguais. Os impactos de uma pandemia, como a COVID-19, podem afetar toda a população, mas seus efeitos são desiguais, pois as trabalhadoras e trabalhadores estão expostos a maior risco de adoecimento e morte, principalmente em um contexto de ofensiva neoliberal e de sucateamento e subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O tripé capital-patriarcado-racismo determina quem poderá ficar em casa na quarentena – sem sofrer da violência doméstica cujos índices estão em um assustador crescimento neste período -, quem poderá lavar as mãos e fazer a assepsia com álcool em gel, quem poderá se alimentar e se hidratar para garantir uma boa imunidade, assim como quem poderá ter acesso aos cuidados necessários em caso de teste positivo para o coronavírus. É esse sistema que determina quem pode viver e quem pode morrer, seja pela doença, pela fome, pelo desemprego ou pela violência.

São muitos os desafios que se avolumam, mas não podemos ficar assistindo a insensatez neoliberal diante do contexto atual, principalmente daqueles que impõem um verdadeiro genocídio do nosso povo cujo sangue verte há 500 anos por meio de suas agendas de caos, destruição e seus “moinhos de gastar gente”. Mais do que programas emergenciais e remendos em um tecido surrado, precisamos de planos unitários de ação em defesa da vida dos(as) trabalhadores(as), o que pressupõe ações que estejam orientadas para um novo modelo de sociedade que colocará fim a pré-história da humanidade: uma sociedade socialista!

FORA BOLSONARO E MOURÃO!
A VIDA ANTES DO LUCRO!
PELA VIDA DAS MULHERES E PELO PODER POPULAR! 🚩🚩

Texto da camarada Luiza Miranda

Via Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro Núcleo Juiz de Fora (MG)

 

Referências:

[1] https://noticias.r7.com/…/governo-de-minas-nega-caso-de-cor…

[2] https://www1.folha.uol.com.br/…/veja-o-que-bolsonaro-ja-dis…

[3] https://g1.globo.com/…/rj-confirma-a-primeira-morte-por-cor…

[4] https://revistaforum.com.br/…/em-quarentena-casal-com-cor…/…

[5] https://noticias.uol.com.br/…/prostituicao-a-r-30-no-centro…

[6] https://brazil.unfpa.org/…/enquanto-pandemia-ocorre-mulhere…

[7] https://brazil.unfpa.org/…/enquanto-pandemia-ocorre-mulhere…