Diante disso, a realidade das mulheres está ainda mais delicada. Porque são elas as responsáveis por sustentar os lares diante de uma crise econômica, se sobrecarregando com as múltiplas jornadas de trabalho para garantir a sobrevivência da família. Na crise sanitária, são elas que estão na linha de frente nas profissões de cuidados em hospitais, unidade de saúde, na assistência social e em casa, cuidando das crianças e dos mais velhos.
Não esqueceremos de Adelita Ribeiro, técnica de enfermagem, brava trabalhadora de Goiânia, uma das primeiras profissionais de saúde a morrer acometida pelo Coronavírus.
Não esqueceremos de Cleonice, uma das primeiras mortes no Rio de Janeiro, que nem mesmo teve seu sobrenome divulgado pela imprensa, empregada doméstica de 63 anos, hipertensa e diabética, que foi obrigada a continuar trabalhando na casa da patroa, no Leblon, que nem mesmo avisou para ela que estava em quarentena. Nem de Rafaela de Jesus Silva, trabalhadora e mãe que aos 28 anos que em decorrência de complicações do seu estado de saúde e de atendimento, não resistiu e se torna a vítima mais jovem pelo vírus dentro da Bahia.
Realidades como a vivida por Cleonice nos revela quem tem o direito de se cuidar em um momento de crise sanitária, os ricos. Os patrões que se dão o direito de ficar em quarentena enquanto os trabalhadores seguem produzindo lucro para garantir a vida de uma classe que nem mesmo trabalha. Esta classe que promove carreatas em todo o país, sem sair de seus carros luxuosos por medo, para pedir que se acabe o isolamento social, e consequentemente pedir que a classe trabalhadora, que minimamente conseguiu o direito de trabalhar em casa, volte para as ruas, para os transportes públicos lotados. E quando adoecer que se depare com as unidades de saúde sucateadas, hospitais sem respiradores e vagas, dificuldade de acesso a medicamentos, fruto de um projeto social destes mesmos patrões que quando adoecem vão para o Albert Einstein em helicópteros particulares.
Também não podemos esquecer que a dificuldade de isolamento social pela maioria da classe trabalhadora, que precisa continuar trabalhando e se locomovendo utilizando transporte público, a ausência de saneamento básico, a negação ao direito de habitações dignas para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, se caracterizam como umas das imposições mais cruéis ao direito à vida dos trabalhadores.
Quando há a possibilidade do isolamento social, o que para muitos é um espaço de segurança, para as mulheres isto se reflete em um aumento do trabalho doméstico, e também da violência sexual. Porque nós, mulheres, não estamos seguras nem em nossos lares. Somos violentadas pelos nossos patrões, companheiros e parentes, estar em casa não significa o fim das jornadas de trabalho e nem a divisão das tarefas do lar. Segundo dados do Disque 180, no Brasil já se registram o aumento de 9% em relação ao número de denúncias de casos de violência doméstica, sem contar que muitos casos não são registrados levando em conta que as vítimas não conseguem denunciar. Na Bahia, a Ronda Maria da Penha que atende as vítimas de violência doméstica segue com suas atividades reduzidas e em alguns locais do estado segue paralisada, deixando mulheres que contam com o apoio da ronda desassistidas e mais uma vez suscetíveis a mais uma violência.
Estamos no segundo mês desde o primeiro caso de Coronavírus no Brasil e completando um mês desde que o primeiro caso foi anunciado na Bahia. Em nosso estado, até o dia 16/04/2020 foram registrado pela Secretaria de Saúde (SESAB) 884 casos confirmados de infectados pela Covid19 em 83 municípios, mas a capital segue sendo a maior concentração dos casos notificados.
Com a previsão de agravamento, o cenário segue incerto para a grande parte da classe trabalhadora no estado. Desde os trabalhadores informais e ambulantes, que dependem do contato direto com a população para conseguir o sustento de suas famílias, os quais apresentam sua maioria mulheres, sendo estas responsáveis pela renda de suas famílias. E também, trabalhadoras e trabalhadores domésticos, de serviço gerais, profissionais de saúde, desde agentes de saúde, técnicas, enfermeiras e médicas, que seguem trabalhando expostos, sem garantia de equipamentos de segurança individuais.
Até hoje os trabalhadores informais e desempregados aguardam o recebimento do auxílio emergencial do governo Federal, conquista sob muita pressão dos movimentos sindicais e populares. E o presidente, que ganha uma fortuna, apresenta como moeda de troca a MP 936, que tem por objetivo o corte de até 70% nos salários dos trabalhadores de carteira assinada e possibilita negociações individuais entre patrão e empregado. Essa medida provisória segue dentro da agenda de ataques de Bolsonaro e Guedes que nos querem mortos. A lógica do “é melhor perder dinheiro a ser demitido” não pode ser tolerada.
Não temos dimensão do que tem acontecido com a vida das trabalhadoras e trabalhadores terceirizados, que antes mesmo deste cenário já lidavam com a falta e recebimento de salários e falta de condições dignas de trabalho. Aos trabalhadores do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), que somam atualmente na Bahia cerca de 35 mil trabalhadoras e trabalhadores alocados em diversos postos de trabalho, a incerteza da continuidade dos seus contratos segue assombrando parte dos trabalhadores, que têm que se submeter às atividades laborais para não sofrerem cortes nos salários, mesmo que isso signifique a exposição as mais diversas formas de contaminação ao Coronavírus.
A falta de perspectiva de superação dessa crise é ainda pior devido a falta de estrutura para dimensionar o que realmente estamos enfrentamos. Um dos principais problemas tem sido a falta de testes, o que tem criado uma montanha de subnotificações embaixo do tapete que está no meio da sala de nosso estado, enquanto o governador busca, em todos os meios, publicizar que está tudo sob controle em nosso estado. Segundo pesquisa da Folha de São Paulo, a conta de subnotificações pode ser de até 31 casos subnotificados para cada teste realizado. Na Bahia, foi divulgado pelo Correio da Bahia o crescimento de quase 25% de casos de Síndromes Respiratórias graves em relação ao ano anterior.
O cenário segue sendo cruel e incerto para as trabalhadoras e trabalhadores, na cidade, mas também no campo, onde o acesso a informações e assistência básica e de saúde apresentam maior deficiência, além disso, é no campo em que se concentram a maior parcela do grupo de risco, a população idosa.
É preciso somar forças e mais uma vez reafirmar o projeto de defesa da nossa classe e das mulheres que compõem as massa trabalhadora, em momentos de crise sempre somos nós que temos nossos direitos violados e negados. Precisamos estar vigilantes e expor as contradições e os ataques imputados contra as trabalhadoras, juntamente com a intensificação da divulgação de mecanismos de denúncia e apoio às mulheres vítimas de ameaças no trabalho e do lar.
Precisamos apresentar nossas bandeiras de luta, denunciando os ataques dos Governo Federal e a situação dos trabalhadores a nível estadual, somar nosso apoio a trabalhadoras e trabalhadores domésticos, terceirizados, informais, as trabalhadoras da saúde e da assistência social, construindo redes de denúncia aos ataques sofridos. É importante a construção de redes de solidariedade às mulheres, se somando as ações e movimentos que se colocam próximos ao apoio e politicamente com o nosso projeto de defesa da classe trabalhadora.