Como se já não bastasse um ano inteiro da pior crise sanitária que o Brasil já enfrentou e que atinge as mulheres desproporcionalmente, este 8 de março foi o terceiro consecutivo com a ministra declaradamente antifeminista, Damares Regina Alves, à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo genocida de Bolsonaro e Mourão, que possui papel ativo no agravamento da atual crise e é responsável direto pelas mais de 260 mil mortes no país.
Além das ameaças à vida das mulheres devido ao descaso total em relação à classe trabalhadora, representado pelo projeto neoliberal e higienista do governo federal frente à crise sanitária e econômica em que nos encontramos, Damares representa ainda outras ameaças graves. A pastora, juntamente com a popularidade de seu “ministério”, é um símbolo que aglutina diversas pautas conservadoras que compõem um projeto político danoso às mulheres, aos LGBTs, aos grupos racializados e aos direitos humanos como um todo.
Sua política voltada ao julgamento moral e à manutenção das dinâmicas capitalistas e patriarcais negligencia as questões estruturais que seguem precarizando as trabalhadoras e trabalhadores, enquanto beneficiam as elites empresariais e seus gestores. Esta é uma empreitada que, embora envolta por um discurso genérico de preocupação em relação às violências diversas, no fim das contas facilita com que as mulheres e crianças permaneçam envolvidos nos processos e relações sociais que são responsáveis pela violência que ela afirma combater.
Damares, além de forjar uma suposta representatividade feminina, é uma agente política com histórico de articulação em torno de pautas antifeministas e assistencialistas no meio evangélico. Ela é uma das grandes figuras do bolsonarismo e foi responsável pelo grande número de candidatas religiosas nas últimas eleições, inclusive através de campanha do seu ministério. Evidentemente, o avanço das medidas alinhadas com seu ministério depende da hegemonia das forças da direita conservadora nas Câmaras Brasil a fora.
Sendo assim, por trás da preocupação com o empoderamento feminino através de cargos de poder, está o crescimento de uma política extremamente danosa à luta histórica das mulheres: o fortalecimento da família como sujeito de direitos, embasado ideologicamente pela doutrina fundamentalista cristã. Damares chegou a declarar, na ocasião do 8M do ano passado, que as mulheres cristãs teriam sido “esquecidas” pelo governo nos anos anteriores.
Com discursos apaixonados e pretensamente heroicos que exaltam o foco no combate à violência, a ministra pretende atacar as consequências das dinâmicas de opressão e dominação e não suas causas, que são assentadas sobre o capitalismo em si e suas configurações patriarcais. O punitivismo, parte importante da ideologia conservadora, se mostra sempre presente em suas falas, por exemplo quando ela parece poder resolver todos os problemas das mulheres afirmando que é preciso “levar Delegacias da Mulher para todas as cidades”.
Neste tocante, podemos inclusive perceber alguma proximidade entre a centralidade das pautas de Damares e as pautas de mulheres da esquerda liberal. Mesmo que possuam estratégias diferentes para seus programas, suas táticas são parecidas, priorizando demandas generalistas e óbvias, de profundo apelo emocional, que suprimem discussões mais críticas, complexas e profundas sobre a origem, a manutenção e a real resolução dos problemas de gênero da nossa sociedade. Até mesmo a defesa do direito ao aborto é muitas vezes secundarizada pela esquerda não comunista.
Apesar de suas falas calorosas contra a pedofilia e a violência contra as mulheres, sua prática política deixa claro como essa posição é falaciosa. Damares se opôs ao aborto no caso da menina de 10 que foi estuprada e engravidou, no ano passado, além de ser contra a educação sexual para as crianças na escola, levantando a bandeira da “prevenção do sexo precoce”.
E para garantir que sua política seja aplicada com sucesso, o Ministério de Damares criou um grupo de trabalho que vai rever a Política Nacional de Direitos Humanos ao longo dos próximos meses, até novembro de 2021, com o objetivo de “atualizações e aperfeiçoamento”. Os membros do GT são notáveis oposicionistas ao direito ao aborto – até em casos de estupro – e às pautas LGBT, contando inclusive com o assessor enviado pela ministra para tentar impedir o aborto da menina de 10 anos, no Espírito Santo.
Com isso, fica evidente que Damares, através de seu ministério e em comum acordo com o sabidamente misógino presidente da república, pretende levar a cabo sua política conservadora, misógina, racista, LGBTfóbica e punitivista. Damares mostra a que veio e revela que por trás da aparência de ingenuidade, que normalmente é atribuída às mulheres cristãs, está uma mulher decidida, que optou por um projeto político específico e que deu às costas às mulheres da classe trabalhadora na sua pluralidade.
Sabemos que vivemos tempos difíceis de enfrentamento à retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, ao desmonte dos serviços e funcionalismo públicos, às medidas genocidas do governo durante a pandemia do coronavírus e à crescente precarização e aumento da violência contra às mulheres no último período, mas não podemos baixar a guarda para os retrocessos visados pelo ministério estrategicamente forjado de Damares.
O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro está presente nas lutas diversas das mulheres pelos seus direitos, contra a violência e pela construção de uma sociedade onde sejam vistas como sujeitos políticos e não parte de uma unidade familiar que deva ser encabeçada por um homem. As feministas classistas não dissimulam seu objetivo de abolição da família patriarcal como unidade econômica da sociedade. Esta é uma condição necessária à construção de uma sociedade de fato emancipada, que garanta às mulheres liberdade real de associação e atividade.
O futuro em que as mulheres serão de fato livres, é um futuro socialista!