“Eu a conheci, Maria, na sua pensão na Baixa dos Sapateiros, onde recebia a sua hospitalidade, onde bebia q sopa que você me trazia (sem pimenta, eu pedia), onde eu descansava a minha cabeça cheia de sonhos, em um travesseiro enfeitado de rendas, onde recebia a força de suas mãos que me conduzia Taboão abaixo, para o comício com os estivadores.

Eu a conheci, Maria, usando uma linguagem que não era a minha – a linguagem do povo. Eram as expressões que não tinham me ensinado nas escolas e nem tinha lido nos livros e com as quais você convencia as pessoas, quando ia de porta a porta, pedindo a assinatura da paz.

Eu a conheci, Maria, naquela noite de março de 1947, na invasão do Corta Braço (hoje bairro Pero Vaz), em Salvador, quando eu lhe perguntei onde iríamos dormir, porque já era muito tarde e você me respondeu: “ Aqui mesmo, com as mulheres. Amanhã vai ser a passeata” E eu lhe perguntei: Neste escuro? – “E as estrelas? Para que tem estrelas? ”

(Carta de Ana Montenegro a Maria Brandão dos Reis, em Mulheres e Participação Política*, p. 59)

O Céu cheio de estrelas visto por Maria Brandão e Ana Montenegro na Ocupação de Corta Braço, na luta por moradia digna, as lutas contra as Guerra Mundial e a Guerra da Coreia, a luta pela paz, a organização de mulheres perseguidas pela ditadura no exterior, a luta contra a carestia, a luta pelo “Petróleo é Nosso” fazem parte do que fomos e do que somos, ao comemorarmos os 99 anos do PCB.

Rosa Bittencourt, tecelã, foi a primeira mulher a ingressar no PCB, ainda em 1922. Estivemos presentes nas principais lutas do partido. Laura Brandão, uma jovem poeta, participou ativamente do Bloco Operário e Camponês, e, quando exilada com a família na URSS, atuou na resistência aos nazistas. Na década de 1930, várias intelectuais e artistas ingressaram no nosso partido. Patrícia Galvão, a Pagu, exerceu forte atuação em prol da emancipação feminina, seu livro Parque Industrial traz marcas do seu feminismo. Pagu foi duramente torturada pela ditadura Vargas.

Olga Benário, que veio ao Brasil para colaborar com a construção do socialismo, foi presa junto com várias camaradas e deportada para a Alemanha, onde morreu num campo de concentração nazista. Nise da Silveira, também presa na mesma cela 4, médica psiquiatra, revolucionou o atendimento psiquiátrico, ao se contrapor ao tratamento desumano dado aos doentes mentais, abolindo os eletrochoques.

A organização das mulheres trabalhadoras sempre foi o objetivo principal das comunistas. Em 1935, criaram a União Feminina do Brasil, que sobreviveu apenas dois meses, e lançou um manifesto convocando as mulheres à luta.

Na década de 1940, com a legalidade do PCB, a participação das mulheres no partido cresceu muito. Várias camaradas foram eleitas para as Assembleias Estaduais e para as Câmaras de Vereadores, como Adalgisa Cavalcanti, Zuleika Alambert, Arcelina Mochel, Odila Smith, Lucilia Rosa, entre outras. Em 1947, foi lançado o jornal O Momento Feminino, dirigido por Arcelina Mochel, Ana Montenegro e Eneida de Moraes, com uma linguagem voltada às trabalhadoras. O Momento Feminino circulou até 1957.

Em 1949, foi fundada a Federação de Mulheres do Brasil, com o objetivo central de construir um movimento feminino nacional unificado. Participam da fundação Arcelina Mochel, Elisa Branco e Ana Montenegro. Com a volta da ilegalidade do Partido, as comunistas voltam a ser perseguidas. Duas militantes comunistas foram assassinadas em manifestações pela repressão, Angelina Gonçalves (RS) e Zélia Magalhães (RJ). Elisa Branco é presa ao abrir a faixa: “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia”, durante o desfile militar de 07 de setembro, em São Paulo.

Várias mulheres contribuíram na construção da nossa história. Nas lutas camponesas, destacamos Elisabeth Teixeira, da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, Dirce Machado, na Revolta de Trombas e Formoso, em Goiás, e Josefa Paulino da Silva, na Federação dos Trabalhadores na Agricultura, no Rio de Janeiro.

Em nossas fileiras, tivemos várias poetas, como Lila Ripoll e Jacinta Passos, escritoras como Alina Paim, Zuleika Alambert e Ana Montenegro, atrizes como Thereza Santos, e tantas outras artistas e intelectuais. Destacamos, ainda, a militante Laudelina Campos de Melo, fundadora do primeiro Sindicato de Empregadas Domésticas do país, em 1936.

Ressaltamos a participação de Antonieta Campos da Paz, no Rio de Janeiro, que organizou diversos núcleos de mulheres trabalhadoras nos bairros periféricos e Maria Aragão, médica maranhense, que ajudou a organizar o PCB no Maranhão e dirigiu o jornal Tribuna do Povo.

Nosso trabalho pela organização das mulheres e pela construção de uma sociedade socialista prosseguiu na década de 1960 e durante os mais duros anos da ditadura. Em 1976, perdemos Neide Alves dos Santos, assassinada pela repressão em São Paulo. Ana Montenegro foi a primeira mulher a ser exilada e Maria Brandão dos Reis teve que se esconder.

As comunistas Zuleide Faria de Mello e Marly Vianna participaram de uma ousada operação para retirar os arquivos de Astrojildo Pereira do país e enviá-los para a Itália. Zuleide foi presidente do PCB de 1992 até 2008, após os liquidacionistas tentarem acabar com o PCB. Várias camaradas lutaram pela Reconstrução Revolucionária do PCB, como Yeda Maria Ferreira Mesle, na Bahia.

Esse breve histórico das mulheres do PCB ressalta como foi e como continua sendo a nossa participação nas mais diversas lutas, a favor da paz, contra a fome e a miséria em nosso país, no combate às duas ditaduras do século XX, contra a carestia, no combate a qualquer forma de opressão e violência contra as mulheres.

Com o objetivo de intensificar a organização das mulheres trabalhadoras, foi fundado em 2005, ano anterior ao falecimento de Ana Montenegro, o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, inicialmente pelas camaradas Mercedes Lima (SP) seguida por Renata Regina (MG), se estendendo para outros estados com as camaradas Elvira Cavalcante, Maísa Lima, Valmiria Guida.

Atualmente o Coletivo está organizado nacionalmente em 20 estados e continuamos a nossa luta contra o patriarcado e contra a exploração capitalista. Na construção da luta pelo Poder Popular, rumo ao Socialismo.

A história desses 99 anos do Partido Comunista Brasileiro é marcada pela ativa participação das mulheres que contribuíram expressivamente na construção do partido, na história do Brasil e na organização das lutas das trabalhadoras e trabalhadores desde sua fundação.

Viva os 99 anos do PCB! Viva a todas as mulheres que fazem parte dessa história!

*O livro Mulheres e Participação Política está disponível na aba biblioteca em nosso site