28 de Setembro: Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela descriminalização e legalização do aborto

O Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela descriminalização e legalização do aborto, é um importante marco internacional da luta feminista. Desde a realização do 5º Congresso Feminista Latino-americano e Caribenho em 1990, o dia 28 de setembro passou a ser um dia de luta  contra a clandestinidade e mortalidade decorrentes do aborto existentes na maioria desses países. 

O controle sobre a vida e corpos das mulheres é parte da existência do sistema capitalista, que mantém uma maior dominação e exploração entre as trabalhadoras das economias dependentes, submetidas a longas e múltiplas jornadas de trabalho. A ilegalidade do aborto não tem relação com a proteção da vida, como afirmam alguns setores conservadores, senão os mesmos se importariam com a morte das mulheres que realizam a prática, independente da criminalização. Está diretamente ligada a manutenção do trabalho reprodutivo no ambiente do lar, à custa das esposas ou de empregadas domésticas, que possibilita que o trabalho que deveria ser exercido em creches, restaurantes e lavanderias públicas, pelo Estado ou pelas empresas, seja realizado sem comprometer recursos públicos e os lucros dos capitalistas. O reforço do papel da mulher enquanto mãe faz parte da ideologia que nos mantém presas aos trabalhos mais precários, análogos ao trabalho doméstico e mantendo a reprodução da força de trabalho no ambiente familiar. A luta pela a descriminalização e legalização do aborto é sobretudo anticapitalista e anti – imperialista.

A América Latina é marcada historicamente pelo colonialismo, pelo racismo, pelo patriarcado, e com acentuadas desigualdades sociais, o que faz que o contexto de criminalização represente um risco ainda mais elevado à vida das mulheres. O fato de o aborto ser ilegal não impede as mulheres, de diferentes idades, religiões e classes, por variados motivos, de recorrerem à prática. A grande diferença é que devido a clandestinidade as mulheres ricas possuem condições seguras, com informações e assistência médica, enquanto as pobres, majoritariamente negras ou indígenas, morrem, sofrem com o procedimento e/ou tem complicações. Clínicas clandestinas, meios caseiros, inseguros e/ou ineficazes para o aborto, falta de informação de como proceder, medo de buscar ajuda médica, são fatores que contribuem para a ilegalidade do aborto ser mais uma forma de violência contra as mulheres trabalhadoras, que na maioria das vezes arcam sozinhas os pesos da gravidez e da maternidade.

No dia 06 de setembro, o México descriminalizou o aborto depois que a Suprema Corte do país declarou inconstitucional a proibição do procedimento, nacionalizando assim a disriminalização que ja era prevista apenas em alguns estados, no inicio do ano passado por decisão. A Corte Constitucional também descrimalizou o aborto.  É importante destacar que uma efetiva legalização do aborto no México e na Colômbia ainda se fará necessária, pois num primeiro momento ele apenas deixou de ser crime; ou seja, as mulheres não serão mais presas no caso de interromperem a gravidez dentre as semanas previstas, mas ainda precisarão lutar por decisões que possibilitem a implementação de medidas de saúde pública para garantir abortos assistidos e seguros. Na Argentina, a legalização ocorreu no final de 2021, com aprovação de lei que garante às mulheres que decidem interromper a gravidez, o direito de realizar o aborto de forma legal, segura e gratuita no sistema de saúde.

No Brasil, temos um histórico estruturalmente enraizado na exploração e opressão de mulheres, principalmente as negras e indígenas. Em nosso país o aborto é considerado crime e o acesso é limitado a casos de estupro, risco de vida da mãe ou  anencefalia, os tramites nesses casos são complexos e burocráticos e a   judicialização do processo para a garanti-lo é lenta e faz com que as mulheres prolonguem a gestação ou não consigam realizar o procedimento. Mesmo com autorização legal, muitas não encontram serviços de saúde que realizem o procedimento e 40% das mulheres precisam se deslocar para outros municípios. Abortos clandestinos são a quarta causa de mortalidade materna em nosso país, e além de ser uma causa evitável, envidencia como o tema é tratado de forma enviesada e que a vida das mulheres de fato não é importante. A legalização do aborto é uma questão de saúde pública, justiça social e a garantia do acesso deveria ser um direito fundamental das mulheres.

Na última sexta-feira (22/09/2023), teve início o julgamento sobre a descriminalização do aborto até as 12 primeiras semanas de gestação. A ministra Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF*) 442, que começou a ser julgada em sessão virtual, deu voto favorável à descriminalização. A ministra considera que os artigos 124 e 126 do Código Penal não estão de acordo com a atual Constituição Federal e que é desproporcional atribuir pena de detenção de um a quatro anos para a gestante, caso provoque o aborto por conta própria ou autorize alguém a fazê-lo, e também para a pessoa que ajudar ou realizar o procedimento. Ao posicionar-se contra a lei que, desde 1940, pune com prisão quem não quer seguir grávida, a ministra diz que a lei  impõe gestação forçada às mulheres e que a maternidade deve ser uma escolha. O julgamento foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, e prosseguirá em sessão presencial do Plenário, em data a ser definida. 

A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021,  mostrou que uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já interrompeu  gravidez, metade delas antes de dos 20 anos, 67% já têm filhos e 81% têm religião. A criminalização coloca em risco a vida de todas  e evidencia que a proibição, e obviamente não impede a realização de aborto. A possibilidade de que a descriminalização ocorra e que as mulheres e trabalhadores da saúde não sejam punidos pela prática significa avanço significativo, mas para que possamos avançar de forma resolutiva na redução das complicações e mortes por aborto inseguro é indispensável garanti uma regulamentação que garanta o acesso, legal seguro e gratuito.

A Organização Mundial da Saúde recomenda a descriminalização total do aborto e que ele seja disponibilizado a pedido da mulher. Ainda segundo a  Diretriz sobre cuidados no aborto de 2022: “A nível mundial, o aborto é um procedimento comum, sendo que seis em cada 10 gravidezes não planeadas e três em cada 10 de todas as gravidezes terminam em aborto induzido. No entanto, as estimativas mundiais demonstram que 45% de todos os abortos são inseguros. Esta é uma questão essencial de saúde pública e de direitos humanos; o aborto inseguro está cada vez mais concentrado nos países em desenvolvimento (97% dos abortos inseguros) e nos grupos em situações vulneráveis e marginalizadas. As restrições legais e outras barreiras significam que muitas mulheres têm dificuldade ou impossibilidade de aceder a cuidados de qualidade no aborto e que podem induzir elas próprias o aborto usando métodos inseguros ou procurando o aborto junto de provedores não qualificados. O estatuto jurídico do aborto não altera a necessidade de aborto de uma mulher , mas afecta significativamente o seu acesso ao aborto seguro. Entre 4,7% e 13,2% de todas as mortes maternas”. 

Não podemos tratar esse assunto como tabu e por viés morais e religiosos, a  descriminalização do aborto é uma questão de saúde pública: trata-se de garantir o direito à vida e à saúde das mulheres e de todas as pessoas que gestam. Ela deve estar aliada à luta contínua contra essa sociedade capitalista, patriarcal e machista, contra o desemprego, por condições dignas de vida, de trabalho e pelo acesso universal à educação.

O reconhecimento de que essa realidade não pode mais existir, que a criminalização do aborto é punitiva apenas para as mulheres da classe trabalhadora – muitas vezes punidas com a própria morte – tem possibilitado a ampliação dos movimentos de mulheres pela  legalização e mudanças nas leis e/ou decisões judiciais nos países latino-americanos nos últimos anos. Em todos os países que avançaram na descriminalização e na legalização do aborto, os movimentos de mulheres estiveram em peso nas ruas, pressionando pelo avanço da pauta.

A ampliação de direitos reprodutivos é uma necessidade urgente das mulheres da América Latina, que também batalham por condições de vida mais dignas e justas, emprego a todas, direito à moradia, saúde pública, educação, acesso à contracepção e uma rede de cuidados para as crianças, que seja amparada pelo Estado e por toda sociedade. A legalização do aborto, junto a políticas publicas efetivas, para evitar gravidezes não planejadas, educação abrangente sobre sexualidade, a garantia de acesso e oritenção adequada de uso da ampla gama de métodos contraceptivos existentes, incluindo a contracepção de emergência e aconselhamento sobre planejamento familiar, diminui as taxas de abortos em geral e protege a vida das mulheres. Ser mãe deve ser uma opção, e as mulheres e todas as pessoas que gestam devem ter garantido o direito de decidir sobre. Nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro seguimos firmes na luta pela descriminalização e legalização do aborto e pela transformação radical dessa sociedade capitalista, que nos explora, mata e desumaniza. Convocamos todas a se somarem às ações pela legalização que acontecerão em vários estados e cidades pelo país nesse dia 28 de setembro.

Nos queremos vivas e com direitos! Nenhuma morte por aborto clandestino!

Educação sexual para prevenir, contraceptivo para não engravidar, aborto legal e seguro para não morrer!

Pela formação de profissionais de saúde que sejam capazes de acolher e conduzir a realização de abortos seguros!
Por uma maternidade consciente e não imposta!

Pelo aborto legal, seguro e gratuito!

Nem presa, nem morta!


Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Ana Montenegro,

Filiado à Federação Democrática Internacional de Mulheres ( FDIM )

* ADPF é a sigla de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É um mecanismo que pode ser acionado por organizações da sociedade civil ou pelo Ministério Público, para questionar, junto ao STF, alguma lei que esteja em desacordo com a Constituição.