O Dia Internacional de Luta das Mulheres Trabalhadoras é uma importante data, que mobiliza mulheres a ocuparem as ruas em todo o planeta. Para nós, comunistas, é fundamental ressaltar que apesar de diversas versões sobre a origem do 08 de março, a data surgiu em 1910 da proposta feita por Clara Zetkin no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas e que se consolidou como um dia histórico em todo o mundo após a greve histórica das mulheres russas em 1917, para reivindicar pão e o fim da guerra, abrindo os caminhos da Revolução Socialista.

Manter viva nossa memória é extremamente importante, não só para recuperarmos o verdadeiro protagonismo das mulheres comunistas nas lutas da classe trabalhadora, que tiveram suas contribuições historicamente apagadas, mas, sobretudo, para relembrar nossas conquistas em uma conjuntura tão adversa, com objetivo de construirmos novas alternativas para o século XXI. Reivindicamos e damos seguimento ao legado das mulheres que vieram antes de nós, Dandara dos Palmares, Anastácia, Laudelina Campos Melo, Ana Montenegro, Maria Brandão, Carolina Maria de Jesus, Elza Soares, Joana Martins e tantas outras, para que nos inspirem e fortaleçam, na construção coletiva das estratégias de superação desta ordem exploradora, opressora e destrutiva.  

Nós, mulheres trabalhadoras de todo o mundo, temos sofrido e morrido nas guerras imperialistas, em abortos clandestinos, em razão da fome, nas filas em busca por cuidados com a saúde, no genocídio do povo negro e no extermínio dos povos originários, com as diversas formas de violência e nos trabalhos mais precarizados. Ainda enfrentamos as consequências da divisão sexual do trabalho, a imposição do trabalho doméstico e a violência contra a mulher. Milhões de trabalhadoras migram na esperança de uma vida melhor e acabam desamparadas, longe de suas raízes e culturas, muitas vezes sem documentos legais e em sub empregos precarizados e mal remunerados. Esse contexto vem alimentando longas cadeias de reprodução social em nível internacional, reforçando e promovendo outras desigualdades entre as próprias mulheres trabalhadoras.  

Aprendemos com a nossa tradição a ficar atentas à natureza do Estado burguês, que muitas vezes é considerado pelos feminismos (especialmente o feminismo liberal) como o único interlocutor legítimo e possível das pautas feministas: se ao longo da segunda parte do século XX e do início do século XXI, ele pôde ter absorvido algumas das importantes reivindicações feministas, essa permeabilidade foi ao mesmo tempo o que lhe permitiu ressignificar as nossas pautas, evacuando muitas vezes sua dimensão radical e transformadora para adaptar o feminismo à ordem vigente, a famosa ordem do mercado e ordem do possível. Por isso, a libertação das mulheres muitas vezes é reduzida a seu acesso ao mercado.

Essa ressignificação das nossas pautas tem tido consequências dramáticas ao redor do mundo. Cabe lembrar que as guerras imperialistas, desde a guerra do Iraque, vêm sendo atravessadas por uma retórica estatal recorrendo a argumentos feministas (de um feminismo liberal burguês) para legitimar sua atuação como uma salvação das mulheres, retórica que reativou o imaginário colonial no século XXI. Do mesmo modo, em vários países do capitalismo central, o argumento da igualdade de gênero, suportado por certo feminismo  de Estado, vem sendo usado para reforçar a xenofobia contra migrantes do Oriente Médio, desqualificar milhões de trabalhadoras muçulmanas, justificar a violência de Estado e as legislações que os relega à subcidadania. 

Diante do cenário internacional, reiteramos a necessidade de fortalecer os laços de solidariedade internacional entre as trabalhadoras do mundo, sempre numa perspectiva revolucionária. Manifestamos nossa total solidariedade e apoio a luta e resistência do povo palestino contra a usurpação do seu território e o genocídio promovido pelo Estado terrorista de Israel, que, por meio de governo sionista, com apoio do EUA, impõe o apartheid social e submete a população palestina às mais desumanas condições de vida. Manifestamos também nosso apoio e solidariedade às trabalhadoras(es) argentinos que estão organizando greves e ocupando as ruas para barrar as medidas do neofascista Javier Milei, que desde sua posse vem impondo medidas arbitrárias profundamente conservadoras e neoliberais, que prejudicam dramaticamente toda a classe trabalhadora, principalmente as mulheres. O partido do presidente argentino, nos últimos dias, apresentou proposta para revogação da lei do aborto legal, uma afronta à luta histórica das nossas Hermanas Argentinas que conquistaram esse direito em 2021.  

No Brasil, chegamos ao segundo ano do governo Lula e, se derrotamos nas urnas o governo protofascista e ultraneoliberal de Jair Bolsonaro em 2022 – que foi sem dúvidas um resultado importante, sabemos que a eleição do atual governo, não deu e não dará conta de garantir de fato uma vitória para a classe trabalhadora. Isso porque o avanço do fascismo está diretamente relacionado à crise do capital, uma crise que só se aprofunda. Portanto, o resultado eleitoral não é o suficiente para barrar o avanço do fascismo, que expressa as contradições atuais do capital e não o seu desvio. 

Além disso, o limite se dá pela continuidade de um governo de conciliação, que usa a composição de seus ministérios como moeda de troca com a direita, o esvaziamento das manifestações nas ruas e desmobilização dos movimentos sindical e populares, enfraquecendo as lutas da classe trabalhadora, enquanto a política econômica de Haddad segue privilegiando os interesses do capital e reduzindo os investimentos na saúde e educação, atacando os direitos da classe trabalhadora. No primeiro ano do governo medidas como o arcabouço fiscal e o novo ensino médio foram aprovadas com facilidade.  

Nos estados e municípios seguem governos e ações de direita, além dos ditos progressistas, mas que avançam nos processos de privatização de empresas públicas estratégicas, com políticas de segurança pública violentas, que atingem principalmente a população negra e pobre. Neste ano teremos eleições municipais e se mostra evidente como a direita conservadora e o neofascimo seguem se fortalecendo e constituindo ameaça às trabalhadoras.

Observamos também ao fim do primeiro ano do governo do PT, que mesmo composto por uma maior quantidade de mulheres nos gabinetes e ministérios, e com a implementação de algumas políticas pontuais para as mulheres, as grandes questões que agravam as condições de vida e ampliam a opressão sobre as mulheres trabalhadoras no Brasil não foram tocadas. A representatividade constitui apenas uma parte da luta pela emancipação das mulheres, sabemos que as mudanças, para se tornarem efetivas, têm que abraçar o conjunto das relações sociais e desafiar a ordem social vigente.  

E apesar da pequena redução do desemprego no Brasil, por ser estrutural, continua a afetar de modo desproporcional as mulheres trabalhadoras, especialmente as que são as únicas responsáveis pelo sustento de suas famílias. Além do desemprego e baixos salários, não podemos desconsiderar a jornada contínua de trabalho das mulheres, que além da esfera da produção, estão ainda nas atividades de cuidado, na esfera da reprodução dos trabalhadores. 

A população negra corresponde a mais de 50% da população no Brasil, é particularmente atingida pela exploração capitalista ocupando, os cargos os mais precários e com baixa remuneração, sendo maioria na informalidade. O racismo que atravessa a organização capitalista do país e ainda é permeada pela lógica escravocrata,  torna também maiores os impactos do machismo sobre as mulheres negras que são as mais prejudicadas pela violência e por todas as contrarreformas e retrocessos que temos enfrentado nos direitos da classe trabalhadora.

Em relação aos direitos reprodutivos, as mulheres seguem morrendo em razão dos abortos clandestinos, sendo as mulheres negras as que mais morrem em decorrencia do aborto clandestino. Nossos direitos sexuais e reprodutivos já conquistados seguem sendo alvo dos fundamentalistas reacionários, que tentam de todas as formas inviabilizar o acesso e retroceder nossas conquistas. Pudemos observar recentemente a suspensão pelo Prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) do serviço de abortamento legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, referência nesse atendimento. Também vimos a recente manifestação do juiz Otavio Tioiti Tokuda (TJSP), que rejeitou uma liminar contra o Hospital São Camilo, que se recusa a realizar procedimento de colocação de DIU e justifica com motivos religiosos. O juiz, na mesma linha absurda, argumenta que o uso de métodos anticoncepcionais, “por mera busca de prazer sexual”, afronta a moralidade cristã.  

Em vários estados e municípios estão sendo apresentadas e aprovadas uma série de leis que retrocedem e impõem mais violências às mulheres e todas pessoas que gestam, como a lei recentemente sancionada pelo governador de Goiás Ronaldo Caiado (união), que institui semana para campanha contra o aborto, obriga a gestante a ouvir os batimentos cardíacos do feto e estimula que ONGs e setor privado recomendem e atuem pela “manutenção da vida do nascituro”. Em Maceió, por meio e decreto do prefeito João Henrique (PL), as pessoas gestantes estão obrigadas a assistirem vídeos que, em tese, demonstram estágios gestacionais do feto e as supostas sequelas físicas e emocionais de um aborto, evidentemente sem nenhuma base cientifica. Em Santa Maria (RS) e Belo Horizonte também foram aprovados projetos que preveem campanhas se conscientização contra o aborto. A questão da descriminalização e legalização do aborto segue debaixo do tapete e sem previsão de ser enfrentada pelo governo federal. 

 A queda drástica da taxa de fecundidade no país e em várias partes do globo, por sua vez, vem gerando vários debates e recolocou no centro da prática feminista não somente a luta pelo direito de não ter filhos, mas também o direito de tê-los, em condições dignas e desejadas. Nós sabemos que a crítica à reprodução da vida – na esfera do cuidado – como assunto meramente privado, individual e de responsabilidade historicamente feminina, constituiu um das maiores contribuições das comunistas que inauguraram o 8 de março, e continua sendo o nosso horizonte para qualificar e desafiar a organização social capitalista e suas injustiças. Essa reprodução não diz respeito somente à responsabilidade por filhos, mas também ao cuidado de familiares, parentes, vizinhos, ao tempo gasto para tentar fechar as contas, às horas passadas nas filas do supermercado, aos esforços psicológicos para garantir estabilidade emocional do seu entorno para que o dia seguinte aconteça da melhor forma possível. 

Os indices de feminicídios e da violência e assassinato contra a população LGBTQUIAP+ continuam alarmantes, e pouco se tem avançado na direção de sua redução e de sua prevenção. Recentemente fomos marcadas por dois casos de extrema violência, o lesbocídio de Ana Caroline Campelo, e o feminicídio de Julieta Hernandez, assasinadas com requintes de crueldade. Cotidianamente somos noticiados sobre os casos de violência contra mulheres, que nos são apresentados como uma fatalidade individual insuperável. Se a visibilização midiática aumentou, as análises comumente propostas reforçam muitas vezes a individualização da questão e/ou o  isolamento da violência de gênero das outras esferas da vida, como se essas violências não tivessem nenhuma relação com o restante da estrutura social. Ao mesmo tempo, o feminismo carcerário, a favor de mais e mais encarceramento como solução para conter a violência de gênero, é apresentado como o único caminho possível e desejável, deixando de lado as contradições que ele carrega, postas pela violência de Estado e seu caráter classista e racista. 

Destacamos, ainda, a luta cotidiana da mulheres do campo, das águas, da floresta, que vêm resistindo bravamente ao domínio do capital e a destruição acelerada do meio ambiente, as constantes expropriações de terras e o esgotamento dos recursos naturais, a situação do ianomâmis e de todos os povos originários pouco se alterou nesse um ano de governo, o marco temporal aprovado representou retrocesso nos direitos dos povos indígenas, os conflitos pelo direito à terra seguem se acirrando, ao mesmo tempo que mulheres indígenas se encontram particularmente atingidas pela políticas do microcrédito como promessa de uma vida melhor que, a maioria do tempo, resulta num endividamento permanente e na falência das pequenas produtoras autônomas. 

Neste 8 de março, reafirmamos  que o feminismo não pode se limitar ao horizonte do estado burguês, seguimos apontando a necessidade da superação revolucionária  da lógica capitalista que explora, oprime e violenta toda nossa classe. Não  aceitaremos pautas mínimas enquanto nossa classe, especialmente nós mulheres, somos brutalmente violentadas de todas as formas possíveis. Apontar para o socialismo não é uma bandeira de agitação, mas, sim a única possibilidade de superação da barbárie capitalista!  Convocamos todas as mulheres, toda a classe trabalhadora a ocupar as ruas neste 8 de Março e a somarem nas demais atividades ao longo do mês.

Viva o Dia Internacional de Lutas das Mulheres! 

TODAS ÀS RUAS NO 8 DE MARÇO!

Não à jornada contínua de trabalho das mulheres: creches e escolas em tempo integral para nossas/os filhas/os; lavanderias e restaurante públicos! 

Contra todas as formas de violência às mulheres, e pela ampliação de serviços de acolhimento e suporte às vítimas de violência!

Pela revogação de todas as privatizações e contrarreformas, pelo fim do Teto dos Gastos e contra o arcabouço fiscal! 

Por moradia digna, ocupar é um direito! 

Abaixo a fome, a pobreza e a carestia! 

Em defesa do SUS 100% público e estatal!

Aborto legal, seguro e garantido pelo SUS para não morrer! 

Em defesa dos povos originários, pela demarcação das terras indígenas! 

Em defesa da diversidade e contra a LGBTfobia! 

Pelo fim do  genocídio da população negra

Sem anistia! Prisão para Bolsonaro e todos os envolvidos na tentativa de golpe! 

Pelo fim da OTAN e de todas as guerras imperialistas! 

Toda Solidariedade ao povo Palestino! Contra o sionismo de Israel! 

Pela construção do poder popular! Rumo ao socialismo! 

24 de fevereiro de 2024

Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – Filado à FDIM