Criança não é mãe e estuprador não é pai!
No dia 12/06/2024 Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, em manobra para uma votação relâmpago e antidemocrática que aprovou urgência na tramitação do Projeto de Lei 1904/2024 conhecido como “ PL Gravidez Infantil”, proibindo e equiparando aborto a homicídio quando realizado após 22 semanas de gestão, mesmo nas situações já asseguradas em lei, como nos casos de estupros.
Esse Projeto de Lei coloca em risco a vida de pessoas que precisam acessar o direito ao aborto legal nos serviços públicos de saúde, que ja é extremamente precário, empurrando-as ou para os riscos dos abortos clandestinos ou as obrigando a seguir a gestação, mesmos das pessoas que são vítimas de violência. “No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023), mais de 74 mil pessoas foram vítimas de estupro. As vítimas são, em sua grande maioria, meninas (88,7%) com até 13 anos de idade (61,4%), negras (56,8%) e tendo a violência sexual acontecido dentro de casa (68,3%). É necessário levar em consideração ainda a subnotificação nos casos de violência sexual, ou seja, é provável que esses números sejam muito maiores. Também em 2023, o Estado brasileiro revitimizou 17 mil meninas de 8 a 14 anos quando negou o direito ao aborto legal, as condicionando a seguir até o parto com gestações decorrentes de violências sexuais que, como demonstram os dados, foram muitas vezes cometidos dentro de suas próprias casas. “ (trecho da nota da Frente Nacional Pela Legalização do Aborto)
Nos últimos 10 anos, tivemos uma média de 20 mil partos de crianças com menos de 14 anos por ano (dados da ONU 2024). E que deste total cerca de 70% dessas crianças eram negras. Ou seja, tivemos na última década pelo menos 20 mil crianças que foram vítimas de estupro de vulnerável que resultaram em gravidez infantil e que chegaram ao final da gestação. 20 mil crianças que sofreram diversas formas violência, dentre elas a violência sexual e a violência social, legal e institucional que a obrigou a seguir com a gravidez infantil, mesmo tendo sido vítima de estupro, e mesmo sendo uma criança, um corpo infantil incapaz de gestar outra criança.
Os dados mostram também qual é o corpo mais atingido: meninas negras! Estamos tratando não só do machismo e sexismo, mas também de racismo, agravando uma situação de insegurança, instabilidade e violência, e contribuindo para que sigam vivenciando insegurança e violência. Além disso, ele revitimiza continuadamente essas crianças, pois imputa o peso e o resultado da violência sobre as vítimas de estupro, seja impondo a continuidade da gravidez infantil; seja criminalizando a vítima, impondo pena mais duras às vítimas de estupro que realizarem o aborto (20 anos), do que as penas impostas aos estupradores.
É preciso lembrar ainda que muitas das crianças que são vítimas de estupro têm dificuldade de identificar que estão sendo vítimas de estupro, uma vez que a maioria dos agressores são do círculo das relações familiares e afetivas dessas crianças. Fato que faz com que um número expressivo das gestações infantis só seja descoberto quando já está em período gestacional avançado. Logo, estipular um prazo para a realização da interrupção da gestação, significa que uma parcela significativa das vítimas de estupros que engravidarem de seus agressores serão criminalizadas, ou terão que sustentar até o final uma gravidez infantil resultado dessa violência. Ou seja, o Estado brasileiro quer tratar essa questão de saude publica como caso de justiça e a resposta que tem a oferecer às crianças (em especial às crianças negras) que sofrem violência sexual com mais violência! Gravidez forçada é tortura. Essa é a resposta que o Estado brasileiro consegue dar às suas crianças.
Para avançar na superação dessa realidade em que as crianças têm sua infância desrespeitada, e suas vidas colocadas em risco, ante a tanta violência e desigualdade social, é preciso destacar a importância da educação sexual para crianças e adolescentes. Grande parte das descobertas de situações de violência e abuso sexual contra crianças acontece nas escolas, quando se proporciona um ambiente de diálogo e escuta das crianças, quando são também passadas orientações sobre o cuidado com o próprio corpo e a necessidade de preservação da integridade do corpo infantil diante de qualquer adulto, inclusive de familiares.
Tudo isso é expressão da misoginia, do machismo, sexismo, racismo, que já muito conhecidos por nós brasileiras e brasileiros; mas também é a marca de um velho conhecido: o conservadorismo da sociedade burguesa, que na contemporaneidade recebe um nome repaginado – ultraconservadorismo – e que galopa em diversos países e também aqui, como resposta ideológica à crise do capital. Quando o autor do Projeto de Lei afirma que o objetivo é testar o presidente da república que assumiu compromissos com a bancada evangélica no período da campanha eleitoral (segundo as palavras do próprio autor) para saber se ele realmente é contra o aborto, fica evidente quais são as reais motivações do PL, mesmo que isso signifique empurrar crianças para mais violência, dor e sofrimento.
Nos últimos dias, milhares de mulhere foram às ruas se manifestar contra esse Pl absurdo, precisamos seguir em luta e cada vez mais organizadas, para barrar definitivamente o PL da gravidez infantil e também para avançar na luta pela garantia do direitos sexuais e reprodutivos que seguem em constante ameaça pela extrema direita e o fundamentalismo religioso. A ultradireita tem projeto de morte! É a defesa irrestrita dos donos do poder. E quem se alia a ela para manter a governança compactua com o projeto de morte! Por essa razão seguimos em luta, não só pelo arquivamento definitivo do PL 1904, mas também pela descriminalização e legalização do aborto para todas as pessoas que engravidam, e que o procedimento seja realizado pelo sistema público de saúde!
Nenhuma a menos! Aborto legal, seguro e gratuito!
Educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer!
Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
Filiado à FDIM