Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, em 2018 metade da população brasileira não tinha acesso à rede de esgoto, e cerca de 16% também não tinha acesso à água potável. Atualmente, 94% das redes de esgoto são serviços municipais ou estaduais.
A percentagem de casas com esgoto tratado no Brasil é de 16,42% na região Norte, 32,11% no Nordeste, 41,43% no Sul, 47,39% no Sudeste e 50,22% no Centro Oeste (dados da Child Fund Brasil). Vale lembrar que as doenças de veiculação hídrica (causadas especialmente por protozoários, bactérias e vermes) são quatro vezes maiores nas cidades com os piores números de saneamento básico.
Devido à estiagem que tem atingido o Sul do Brasil, tem ocorrido racionamento de água nas principais cidades da região, e com mais frequência nos bairros da periferia. Ou seja, em meio à crise do covid-19, os trabalhadores estão com acesso limitado a recursos hídricos imprescindíveis para higiene básica. A estiagem é consequência, entre outras coisas, do desmatamento desenfreado da floresta amazônica (pois a floresta cria um “corredor de umidade” que passa pelo Centro oeste, sudeste e sul do país, influenciando nas chuvas dessas regiões).
Diante desse cenário desastroso, os argumentos encontrados pelos defensores do Projeto de Lei 4.162 se basearam na perspectiva de “atrair investimentos privados para levar água e esgoto à toda a população” e “estimular a economia” após a pandemia.
Sabemos que a privatização dos recursos hídricos não é um meio de universalizar o acesso ao saneamento básico. No Chile, por exemplo, não apenas os trabalhadores urbanos sofreram com a privatização no país, mas esta também afetou bruscamente os pequenos produtores rurais. O Movimento de Defesa da Água, da Terra e do Meio Ambiente denunciou que as empresas produtoras agrícolas extraem a água das nascentes dos rios, deixando os pequenos produtores sem o recurso.
O marco do saneamento, ao contrário do que é dito pelos seus defensores (partidos de direita e do “centrão”), não é um modo de aumentar a infraestrutura hídrica no Brasil, mas sim de conceder os recursos naturais à grandes empresas (de saneamento urbano e também de agricultura), que irão lucrar não apenas com as cidades, mas também com o monopólio desse recurso nos campos!
Apesar do Partido dos Trabalhadores ter sido o único que votou em bloco contra a PL, o senador Rogério Carvalho (líder do PT no senado), se posicionou a favor do marco regulatório e da privatização, dizendo que o debate deveria apenas correr “mais à frente, no pós-pandemia”.
A legitimidade ideológica que justifica os discursos de privatização (do saneamento, da educação, da saúde, etc) tem a concepção que o setor privado é “mais ágil”, “mais rápido e fácil”, “mais técnico e tecnológico” e portanto, melhor. Quando na verdade, o setor privado durante as crises do capital é o primeiro a desindustrializar os países “de terceiro mundo” (capitalistas dependentes), retirando seus negócios, sua infraestrutura, demitindo trabalhadores já precarizados e se apoderando de recursos estatais para “salvar suas empresas”.
Nesse sentido, além do marco do saneamento afetar diretamente os trabalhadores das periferias, em especial os negros – portanto, um projeto também racista-, é estruturalmente um projeto anti-nacional. A esquerda não pode cair no tecnicismo e na ilusão da “burguesia nacional”- devemos, na verdade, defender a estatização e universalização de tudo que é necessário para a sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e urbanos. A socialização dos meios de produção passa também pelo controle popular dos recursos naturais.

O Brasil não pode estar à venda!

fontes:
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/03/21/miseria-pura-ex-agricultores-chilenos-sofrem-em-regiao-de-agua-privatizada.htm

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/24/marco-saneamento-basico-preco-agua-esgoto.htm

Para pensar sobre o assunto:
https://pcb.org.br/portal2/24474/racismo-e-privatizacao-do-saneamento-basico/

Arte: Ribs (@oribeiru)