Mulheres e a pandemia de Covid-19

Via Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro Porto Alegre

Em 1995, José Saramago publicou o livro Ensaio sobre a Cegueira, história de uma epidemia de cegueira branca que contamina uma cidade e causa o colapso de estruturas que mantém a sociedade.

Em 2020, podemos dizer que a vida imita a arte. A pandemia do coronavirus, assim como a cegueira branca do livro, desnudou as engrenagens que nos mantém presos ao atual sistema de produção e nos mostra o que é real e o que é fabricado.

De repente, a jornada de 8h diárias não faz sentido; os empresários “geradores de emprego” se desesperam, pois sem seus empregados, não produzem nada; a intervenção estatal se mostra vital para a proteção da vida e da economia, pois a “mão invisível”, desnorteada, prefere sacrificar milhares de vidas à abandonar a geração de lucro da classe dominante e o trabalho doméstico se mostra tão real e necessário quanto qualquer outro trabalho, embora as mulheres que o façam sejam invisíveis e vistas como descartáveis.

Antes cegados pelas distrações da vida moderna, agora todos são forçados à realidade:

– A primeira morte por COVID19 confirmada no RJ foi de uma mulher idosa e hipertensa que trabalhava como empregada doméstica no bairro Leblon. A patroa havia voltado da Itália com suspeita do vírus e não se dignou a avisar a pessoa que limpa sua casa e lava suas roupas, tanto por não correr o risco de ter de fazer o serviço doméstico da própria casa, quanto por não ver aquela mulher como nada mais do que sua empregada. A invisibilidade da empregada doméstica reflete nossa herança escravocrata e a descartabilidade da vida das mulheres trabalhadoras de baixa renda, em sua maioria negras e que vivem em locais periféricos

– O próprio presidente da república, em pronunciamento para o país inteiro, declarou a desnecessidade do fechamento de escolas, pois o grupo de risco seria os idosos. Mais uma evidência da invisibilidade dos trabalhos de cuidados, relegados às mulheres desde tempos imemoriais. Ora, quem Bolsonaro e a elite brasileira pensam que cuida das crianças? Quem as alimenta? Quem as veste? Quem as limpa? Quem mora com elas? Quem são seus parentes e vizinhos? E quem trabalha nas escolas? Com quem convivem?

– O aumento de casos de violência doméstica quebra de vez com a visão da mulher como a “rainha do lar” e nos mostra que o machismo não para, mas os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência sim, por serem considerados “não essenciais”, como ocorreu com o hospital em SP que suspendeu os serviços de aborto legal (permitido no caso de estupro).

– As carreatas feitas pelo Brasil, “protestos” de pequenos empresários que compraram a falsa ideia de que fazem parte da burguesia por contratarem meia dúzia de funcionários, se exibindo com faixas dizendo “me respeite, eu pago seu salário”, exigindo a volta imediata dos trabalhadores aos seus postos e a abertura do comércio, mas que, ao mesmo tempo, não tem coragem de sair de seus carros, com medo da doença. Lembrando que muitos de seus empregados são mulheres responsáveis pelos sustento de suas famílias, que muitas vezes cuidam de seus parentes doentes e pais idosos.

– Por fim, vimos que em tempos de romantização do empreendedorismo e de slogans como “seja seu próprio patrão”, que na verdade atraem milhares de pessoas para subempregos pretensamente autônomos, como Uber e Ifood, o que garante mesmo a sobrevivência e a dignidade humana básica é a intervenção na economia. Graças a aprovação da renda mínima de iniciativa do PSOL, o mínimo (ainda que menos do que deveria) será garantido às trabalhadoras autônomas, para que possam se proteger em casa.

Ainda assim, muito precisa ser feito em situações emergenciais do tipo para resguardar a vida das pessoas e evitar ainda mais mortes.

Um novo mundo é preciso, mas por ora, as seguinte medidas (dentro outras, disponíveis na nota do PCB “A Vida Acima dos Lucros” https://pcb.org.br/portal2/25161/a-vida-acima-dos-lucros/) são necessárias:

– Nacionalização com controle estatal da indústria farmacêutica, laboratorial e de equipamentos médico-hospitalar, dos planos de saúde e hospitais privados, subordinando-os às necessidades do SUS.

– Suspensão da cobrança de mensalidade, taxas e encargos por parte dos planos privados de saúde enquanto durar o período crítico da pandemia no país.

– Proibição de reajuste nos planos de saúde por um ano.

– Desapropriação de produtos de primeira necessidade junto às grandes propriedades rurais e indústrias, de acordo com a necessidade de abastecimento das famílias de baixa renda e daquelas com provedores desempregados.

– Estabelecimento de um imposto emergencial de 20% sobre todos os dividendos recebidos pelos acionistas este ano, para contribuir no financiamento das emergências do sistema de saúde.

– Revogação da EC 95, que estabelece o teto de gastos públicos (só em 2020 essa medida barrou 9 bilhões de reais para a área de saúde; em 2019 foram cerca de 20 bilhões de reais a menos para o SUS). O Estado deve investir o que for necessário para vencer a pandemia.

– Congelamento por três meses e refinanciamento da dívida das famílias via Caixa Econômica Federal.

– Tabelamento dos preços de gêneros de primeira necessidade.

– Estabilidade no emprego sem redução salarial.

– Ampliação do programa de seguro desemprego.

– Garantia da renda às pessoas em processo de aposentadoria e conclusão daqueles em andamento.

– Ampliação e garantia de acesso ao Bolsa Família.

– Renda de um salário mínimo para cada membro adulto das famílias dos trabalhadores informais e aos desempregados.

– Suspensão de cortes e cobranças de pagamentos de serviços básicos (luz, água, internet, gás) e de aluguéis por 3 meses ou mais, caso as medidas de controle da pandemia se prolonguem.

– As empresas de aplicativo e devem remunerar e arcar com possíveis custos de saúde de seus trabalhadores infectados pelo vírus.

– Alocação imediata da população desabrigada em imóveis desocupados, sem indenizaçã
o aos proprietários, com controle estatal para a distribuição de material de higiene e garantia de condições de moradia.

Fica claro neste momento que o lucro é mais importante pro sistema capitalista do que a vida das trabalhadoras e dos trabalhadores.

Estejamos atentos e unidos rumo ao poder popular para modificar isso! A vida vem antes dos lucros!