O genocídio do povo negro como um projeto de Estado, fica cada vez mais exposto e noticiado em meio aos últimos acontecimentos e protestos que se manifestam em vários países do mundo, mostrando a violência estatal legitimada pelo racismo estrutural que extermina vidas negras, assassinando de maneira covarde e brutal crianças e jovens negros, somos atingidos por outra perda que tem nome, classe social e continua se enquadrando no perfil étnico racial que é alvo.
Miguel, filho de Mirtis, uma trabalhadora doméstica em Recife (PE) acompanhou a mãe em mais um dia de trabalho em meio a Pandemia do coronavírus. O trabalho doméstico no Brasil carrega fortes raízes escravocratas. O serviço braçal e o cuidado com crianças dos Senhores de engenho era destinado às mulheres negras escravizadas. Essa origem na escravidão perdurou após a abolição, pois a inserção das mulheres na sociedade agora a base de trabalho assalariado não se ampliou para além dos lares de famílias de classe média. Mirtis, assim como muitas trabalhadoras de sua categoria profissional que é formada em sua maioria por mulheres negras, não foi liberada para cumprir o isolamento social previsto pela quarentena. Algumas semanas atrás, o trabalho doméstico foi posto e rapidamente retirado como serviço essencial. A patroa, Sari Mariana Costa Gaspar Corte Real, não permitiu à ela esse direito. Como muitas mulheres negras e pobres desse país, Mirtis necessitava trabalhar e não teve com quem deixar seu filho, levando-o consigo. A criança, de cinco anos de idade, foi vítima de negligência no local de trabalho de sua mãe, após a patroa ter ficado impaciente com o seu choro e se isentado da responsabilidade de garantir sua segurança enquanto a mãe do menino passeava com o cachorro dos patrões. O descaso com o menino resultou em morte após a criança ter sido colocada em um elevador e parado no nono andar do prédio, caindo de uma altura estimada em 35 metros.
Algumas questões que levantam ainda mais revolta foi a imediata liberação de Sari com o pagamento de 20 mil reais em fiança após ter sido autuada por homicídio culposo (sem intenção de matar). 20 mil reais que foram pagos de maneira imediata, sem a contestação que fez para não pagar o salário de uma trabalhadora doméstica mantendo-a em isolamento durante o período da quarentena. Sari é o retrato da classe dominante de origem escravocrata, que age como se fosse proprietária da vida de suas funcionárias. Outra questão que causa revolta é a constatação de que lado a justiça burguesa se coloca, no contexto de explosão de campanhas nas redes sociais impondo que Vidas negras importam, mostrando que a vida de uma criança negra vale menos que alguns milhares de reais.