No dia 21 de fevereiro de 2022, uma importante decisão foi tomada a favor da vida das mulheres colombianas: a interrupção voluntária da gravidez foi descriminalizada no país, que se tornou a 5ª nação latino-americana a não mais punir a prática.
Movimentos de mulheres estiveram em peso no acompanhamento da decisão judicial nas ruas da Colômbia, munidas de seus panos verdes, que desde a Argentina se tornaram símbolo mundial da luta pela descriminalização do aborto. A descriminalização foi à alta corte do país por demandas desses movimentos. Por 5 votos a 4, foi decidido que o aborto deixou de ser crime e passa a ser permitido até as 24 semanas de gestação. Essa é uma grande vitória em um país em que o procedimento passou a ser permitido em casos de gestação ocorrida por estupro e em risco de vida à gestante apenas em 2006. Em todos os demais casos, continuava criminalizado, com penas de 1 a 5 anos de prisão, para as quais cerca de 400 colombianas eram enviadas anualmente.
Nas sociedades latino-americanas, marcadas historicamente pelo colonialismo, pelo racismo, pelo patriarcado, e com acentuadas desigualdades de classe – sendo a região mais desigual do planeta -, a conquista do aborto legal é uma vitória para a defesa da vida das trabalhadoras. O fato de o aborto ser ilegal não impede as mulheres, de diferentes idades, religiões e classes, por variados motivos, recorreram à prática. A grande diferença é que devido a clandestinidade as mulheres ricas possuem condições seguras, com informações e assistência médica, enquanto as pobres, majoritariamente negras ou indígenas, morrem, sofrem com o procedimento e/ou tem complicações. Clínicas clandestinas, meios caseiros, inseguros e/ou ineficazes para o aborto, falta de informação de como proceder, medo de buscar ajuda médica, são fatores que contribuem para a ilegalidade do aborto ser mais um modo de violência contra as mulheres trabalhadoras, que tantas vezes arcam sozinhas os pesos da gravidez e da maternidade.
Entre 2010 e 2014 ocorreram 55 milhões de abortos no mundo, sendo que 45 % deles foram abortos inseguros, com risco de vida e complicações para as mulheres. Isso representa em torno de 25 milhões de abortos inseguros. Desses, 97 % acontecem em países da África, Ásia e América Latina, naqueles onde o aborto é restrito ou totalmente ilegal. Enquanto a maioria dos abortos ocorridos na Europa Ocidental e Setentrional, Ásia Oriental (incluindo a China), bem como na América do Norte, foram seguros, onde a prática na maioria das vezes é totalmente legal. Ou seja, são nos países do sul global, nas economias periféricas, onde as mulheres morrem e estão sujeitas a abortos inseguros.
O controle sobre a vida e corpos das mulheres é parte da existência do sistema capitalista, que mantém uma maior dominação e exploração entre as trabalhadoras das economias dependentes, submetidas a longas e múltiplas jornadas de trabalho. A ilegalidade do aborto não tem relação com a proteção da vida, como afirmam alguns setores conservadores, senão os mesmos se importariam com a morte das mulheres que realizam a prática, independente da criminalização. Está diretamente ligada a manutenção do trabalho reprodutivo no ambiente do lar, à custa das esposas ou de empregadas domésticas, que possibilita que o trabalho que deveria ser exercido em creches, restaurantes e lavanderias públicas, pelo Estado ou pelas empresas, seja realizado sem comprometer recursos públicos e lucros capitalistas. O reforço da mulher enquanto mãe faz parte da ideologia que nos mantém presas aos trabalhos mais precários, análogos ao trabalho doméstico e mantendo a reprodução da força de trabalho no ambiente familiar. A luta pela a descriminalização e legalização do aborto é sobretudo anticapitalista e anti – imperialista.
O Brasil vai na contramão dos demais países latino – americanos que legalizaram o aborto. Com a chegada ao governo de Bolsonaro, a escalada de perseguição aos direitos reprodutivos das mulheres ampliou – se, encabeçada principalmente pelo presidente e pela ministra Damares. Somos totalmente contrárias ao movimento “Pró – vida” que se comporta de forma totalmente persecutória. Não esqueceremos da exposição pública de uma criança vítima de sucessivos estupros a mais violências, ao tentarem impedir seu direito de realizar um aborto legal.
O reconhecimento de que essa realidade não pode mais existir, que a criminalização do aborto é punitiva apenas para as mulheres da classe trabalhadora – muitas vezes punidas com a própria morte – tem possibilitado a ampliação dos movimentos de mulheres pela a legalização e mudanças nas leis e/ou decisões judiciais nos países latino-americanos nos últimos anos. É importante notar que uma efetiva legalização do aborto na Colômbia ainda se fará necessária, pois nesse primeiro momento ele apenas deixou de ser crime; ou seja, as mulheres não serão mais presas no caso de interromperem a gravidez dentre as semanas previstas. As colombianas ainda precisarão lutar por decisões que possibilite a implementação de medidas de saúde pública para garantir abortos assistidos e seguros.
A ampliação de direitos reprodutivos é uma necessidade urgente das mulheres da América Latina, que também batalham por condições de vida mais dignas e justas, com salários iguais para trabalhos iguais, emprego a todas, direito à moradia, saúde pública, educação, acesso à contracepção e uma rede de cuidados para as crianças, que seja amparada pelo Estado e por toda sociedade. A legalização do aborto, junto com políticas para evitar gravidezes não planejadas, educação abrangente sobre sexualidade, uma ampla gama de métodos contraceptivos, incluindo a contracepção de emergência e aconselhamento sobre planejamento familiar, diminui as taxas de abortos em geral e protege a vida das mulheres. Ser mãe deve ser uma opção, e por isso nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro saudamos a vitória das colombianas pela a conquista da descriminalização do aborto, manteremos a luta contra a escalada conservadora representada pelo governo Bolsonaro no Brasil e seguimos em luta pela transformação radical dessa sociedade capitalista, que nos explora, mata e desumaniza.
EDUCAÇÃO SEXUAL PARA DECIDIR, CONTRACEPTIVOS PARA NÃO ENGRAVIDAR, ABORTO LEGAL, GRATUITO E GARANTIDO PELO O SUS PARA NÃO MORRER!
Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Ana Montenegro,
Filiado à Federação Democrática Internacional de Mulheres ( FDIM )
28 de fevereiro de 2022