Estamos chegando ao 8 de março, o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. O marco, que surgiu a partir da proposta feita por Clara Zetkin no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em 1910, consolidou-se como um dia histórico em todo o mundo, após a greve de mulheres russas em 1917 reivindicando “Pão e Fim da guerra”, a qual abriu a primeira fase da grandiosa Revolução Russa. A chama revolucionária que tomou o chão frio do solo russo e embalou por vários anos a classe trabalhadora e povos colonizados do planeta, não só continua atual e viva, mas também extremamente necessária.
A reorganização do fascismo em nível internacional e o conjunto de desastres, guerras e destruições que temos presenciado, a exemplo da pandemia da COVID -19, da guerra na Ucrânia e do desastre e vazamento de material tóxico em uma malha ferroviária nos EUA, são produtos diretos da lógica predatória da acumulação capital, em sua fase imperialista. No Brasil, no dia 08 de janeiro, presenciamos mais um ataque à democracia, que evidenciou, entre outras questões, a força que os setores fascistas ganharam no país e no mundo nos últimos anos.
A manobra bolsonarista de destruição do Congresso, do STF e do Palácio do Planalto levantou vários alertas e análises, a nível nacional e internacional, em relação ao conjunto de acontecimentos que transcorreram nos últimos meses, à intencionalidade dos atos e à correlação das forças em jogo. Para muitos, essas disputas apresentam-se entre reacionários e progressistas ou bolsonaristas e petistas. Cabe a nós nos questionarmos se essa dicotomia entre esses supostos campos, realmente responde às nossas necessidades enquanto mulheres da classe trabalhadora e, se ela nos permite estabelecer mediações práticas que possibilitem ganhos reais e efetivos para a nossa classe.
Muito antes da depredação dos prédios em Brasília, assistimos há alguns anos atrás, um dos despejos mais violentos do país, o Massacre do Pinheirinho (2012), realizado a mando de Geraldo Alckmin, atual vice – presidente de Lula; a destruição e o saque de inúmeras aldeias indígenas, a mando dos donos do agronegócio e da mineração; mortes e assolamentos em Brumadinho e Mariana, devido à política privatista e ausência de fiscalização na manutenção de barragens, para única e exclusivamente garantir o lucro dos acionistas; a péssima condução do governo Bolsonaro ante a pandemia que levou a morte de 700 mil pessoas, a aniquilação de famílias negras e pobres, todos os dias, nas periferias brasileiras, vítimas do genocídio da população negra, disfarçada de guerra às drogas.
Essa soma de destruições e genocídios, apesar de se aprofundarem ainda mais durante o governo de Bolsonaro, não iniciaram em seu mandato. É por isso, que a dicotomia entre autoritarismo e democracia não é suficiente para explicar esse momento e tampouco, nos auxiliar nas nossas propostas de lutas. Precisamos nos perguntar qual democracia nós precisamos e defendemos, pois a democracia burguesa, com seu aparato militar, sempre destruiu a vida da classe trabalhadora, especialmente das mulheres, da população negra, periférica, indígena e LGBTQIA+.
Obviamente, não queremos com isso dizer que devemos negligenciar a tentativa golpista dos fascistas bolsonaristas, que definitivamente precisam responder pela destruição do patrimônio nacional e pela tentativa de golpe. Contudo, para estruturar o arcabouço das nossas táticas de lutas e traçar nossas alianças, não podemos deixar de levar em consideração que nossa classe vem sendo destruída e dizimada, mesmo dentro do dito espaço democrático.
Precisamos lutar pela democracia, mas não por uma democracia abstrata. Devemos construir uma democracia da classe trabalhadora e de todos os povos que vivem nesse território chamado Brasil. Não podemos cansar de falar que o governo fascista e miliciano de Bolsonaro NÃO representa a figura de um “herói”, que supostamente teria chegado ao poder por suas habilidades cibernéticas, seu reacionarismo e pelas ações de seus grupelhos milicianos. A sua ascensão representa um conjunto de transformações na ordem política e econômica, que fazem parte da dinâmica autodestrutiva do capital. Esse, em seus processos de crise, não tem se reduzido, mas sim ampliado suas expropriações e exploração em diversas partes do planeta e em todos os âmbitos de nossas vidas. Por vezes, as burguesias abrem mão da administração direta dos Estados Nacionais para manter sua dinâmica predatória de expansão e suas taxas de lucros. Entre suas medidas contracíclicas, é concebível fomentar e utilizar de setores reacionários e violentos para garantir a retirada mais veloz de direitos da classe trabalhadora.
Destacamos alguns elementos que convergem na produção do neofascismo bolsonarista:
1. a expressão das crises capitalistas e da incapacidade da burguesia se manter no comando através de seus próprios representantes políticos;
2. a derrota da classe trabalhadora, que enquanto classe, ainda não conseguiu tomar efetivamente a direção política do país e caminhar para um projeto de fim da exploração do trabalho;
3. A fragmentação da classe trabalhadora, acentuada pela última reestruturação produtiva do capital, acompanhada da ampliação da desregulamentação dos direitos trabalhistas e flexibilização das relações de trabalho;
4. O desemprego estrutural, a ideologia do empreendedorismo individual e a dificuldade de resposta do sindicalismo, preso nas estruturas burocratizadas do sindicalismo getulista e do “novo” sindicalismo;
5. A cooptação dos movimentos sociais e sindicais para dentro da estrutura do Estado nos governos petistas, que desmobilizou os principais mecanismos de luta forjados antes da ditadura e no processo de redemocratização do Brasil;
6. A aliança com as cúpulas militares, que em geral sempre tiveram uma posição política importante na América Latina e Caribe, com ocupação da direção do Estado, onde se comportam como sanguessugas dos recursos públicos.
7. O avanço do fascismo a nível internacional.
Outro fator, não menos importante, é o avanço do capital financeiro através das privatizações de bens públicos, como educação, saúde, setores energéticos e telecomunicações, do imenso endividamento das famílias trabalhadoras e da manutenção do pagamento da dívida pública. Esses mesmos setores foram os principais articuladores do golpe que depôs a presidente Dilma e impediram o Impeachment de Bolsonaro, mesmo nos momentos mais críticos da pandemia, por receio de desestabilizar seus lucros e gerar uma crise nas cúpulas burguesas.
Ou seja, Bolsonaro, apesar da força que conseguiu entre alguns setores, só é um mero e pífio produto de uma formação social escravocrata, autocrática, que produziu uma classe dominante subalterna e dependente internacionalmente, que reproduz o capital de forma extremamente coercitiva e truculenta dentro do Brasil. Foi o conjunto de fatores expostos anteriormente, que possibilitaram a chegada à presidência deste fascistoide.
Assim, a nossa luta contra o fascismo perpassa pela a garantia da NÃO ANISTIA aos setores militares, à Bolsonaro, sua cúpula miliciana e aos financiadores do genocídio gerado na pandemia, do genocídio dos povos Yanomamis e da tentativa golpista. A memória deve estar viva e pulsante, para que nunca mais aconteça! Mas, acima de tudo, nossas lutas precisam gerar força e organização da classe trabalhadora para lutar segundo seus próprios interesses, a fim de modificar as condições de trabalho, renda e acesso aos bens públicos no país e fortalecer as lutas antifascistas. Não será a conciliação com os setores empresariais e financeiros e a confiança na institucionalidade burguesa, que possibilitará a derrota dessa face horrenda do capital, que é o fascismo.
A composição do governo Lula, que se coloca como um governo de transição, a fim de retomar o processo desenvolvimentista que vinha em curso nos governos petistas anteriores, tem à frente dos principais ministérios ligados à economia, tucanos e os setores privatistas do país. Haddad já anunciou a ampliação das parcerias público-privadas, que tem destruído direitos trabalhistas e acabado com os serviços públicos; falou de uma reforma tributária, mas sem deixar explícito se irá se comprometer a tributar grandes fortunas, dividendos e lucros; limitou a recomposição do salário mínimo à R$18,00, que entrará em vigor apenas em maio; não falou nada sobre a revogação da reforma trabalhista e da previdência. Essas são questões cruciais para ampliar o investimento público em empresas estatais, ampliar o número de empregos com garantias trabalhistas e combater a desregulamentação do trabalho.
Foi uma conquista ter mais ministérios compostos por mulheres, pessoas negras e indígenas. Porém, se esses ministérios não possibilitarem transformações que modifiquem as condições de trabalho e renda nesse país, podem se conformar somente como uma pauta de respeito “à diversidade” e direitos humanos, sem de fato fortalecer a organização e combatividade das trabalhadoras negras, LBTs, indígenas, PcDs.
As pautas feministas não podem coadunar com as defesas abstratas e liberais feitas por Simone Tebet. A luta contra a violência às mulheres, pela legalização do aborto, por garantia de trabalho digno e salários iguais, precisam estar conectadas com a exigência do fim da exploração do trabalho. Devemos lutar para que todas as portarias que fizeram o direito ao aborto legal retroceder, instituídas no governo Bolsonaro, sejam revogadas. Nísia Trindade, ministra da saúde, apesar de sua firme posição de defesa dos direitos reprodutivos, revogou apenas uma parte das portarias bolsonaristas. Por outro lado, para manter aliança com os setores evangélicos, Lula assinalou para Nísia reduzir o debate sobre a legalização do aborto, o que compreendemos ser inadmissível. São mulheres negras e pobres que morrem e são mutiladas em abortos clandestinos nesse país. O reforço de setores evangélicos, como tem sido feito através do financiamento dos atuais manicômios, chamados ideologicamente de comunidades terapêuticas, só tem fortalecido o ultra reacionarismo no Brasil e na América Latina.
Internacionalmente, o nosso 8 de março deve fortalecer a solidariedade entre as mulheres trabalhadoras de todo o mundo e o pólo comunista, com projeções e ideias revolucionárias. O reformismo e os governos social liberais dificultam a organização da classe trabalhadora e facilitam as ofensivas liberais e fascistas.
Prestamos toda a solidariedade às e aos trabalhadores/as peruanos, perseguidos/as e assassinados/as nos embates contra o governo golpista Dina Boluarte. Acreditamos que é fundamental a construção de iniciativas de poder popular e que elas evidenciam que a crise institucional no Peru é parte da crise capitalista, que se expressa de formas distintas nas diferentes partes do mundo.
Reforçamos toda a nossa solidariedade a Lorena Peña, atual presidenta da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), que tem sido perseguida pelo autoritário e fascista presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que se autodenomina como ditador. A perseguição de militantes através de manobras de lawfare, como as empregadas contra Lorena, tem sido utilizadas para impedir as lutas e combatividade dos movimentos de esquerda em diversos países.
O chamado para uma grande greve internacional de mulheres e de toda a nossa classe continua extremamente atual. Neste ano, defendemos que o chamado do 8 de março no Brasil deve girar em torno da NÃO ANISTIA, contra o fascismo, pela a legalização do aborto e contra as reformas da previdência, trabalhista e do Ensino Médio, com o mote: “Nos queremos vivas e com direitos! Nenhuma morte em aborto clandestino: Sem anistia e sem fascismo, pelo poder popular!”
Saudações camaradas.
Feminismo classista, futuro socialista!
17 de fevereiro de 2023.
Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro